Título: espera da água
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2007, Notas e Informaçoes, p. A3

Uma das expressões que mais se ouvem nos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos principais militantes do PT que ocupam cargos no governo federal: ¿população carente¿. No governo do PT, porém, nem mesmo programas de grande interesse social, por causa de seu impacto sobre as condições de vida das populações pobres - e, por isso, de forte influência no comportamento do eleitorado -, apresentam resultados satisfatórios, mesmo quando são de custo reduzido e de execução relativamente simples. Um exemplo disso é o programa de construção de cisternas no Nordeste.

Anunciado em julho de 2003, o programa previa a construção de 1 milhão de cisternas (sua sigla, P1MC, refere-se a essa meta) em cinco anos. Já se passaram mais de quatro anos, mas até agora só 20% da meta foi cumprida. Ninguém acredita que, nos próximos nove meses, seja possível fazer quatro vezes mais.

A cisterna, com capacidade para armazenar 15 mil litros de água, se utilizada apenas para as necessidades básicas - beber, preparar a refeição e escovar os dentes -, pode atender uma família de cinco pessoas durante oito meses. Sua concepção é simples. Utiliza-se uma calha no telhado para recolher a água das chuvas e conduzi-la para um depósito de placas de cimento em forma de cilindro. O reservatório, semi-enterrado, é fechado para evitar a contaminação. Quando precisa, a família retira a água com balde ou com o emprego de bomba. A água é filtrada e tratada com cloro antes de sua utilização.

As famílias que já dispõem de cisternas puderam enfrentar sem os transtornos do passado a estiagem prolongada que atinge centenas de municípios do Nordeste. Mais de metade dos 223 municípios do Piauí decretou emergência por causa da seca, que, além do Piauí, afetou também os Estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. No total, quase 300 municípios da região do semi-árido nordestino tiveram de ser atendidos por carros-pipa.

Em muitas dessas localidades, água é uma questão de política, e de poder. Quem tem para distribuir muitas vezes exige como pagamento o voto da família beneficiada, caso contrário, passa a perseguir os membros da família, até o ponto de terem de sair da cidade. Nesses casos, a cisterna torna-se também um instrumento de defesa e proteção do cidadão e do eleitor.

O que já se fez, reconheça-se, ajudou a melhorar as condições de vida de uma população estimada em cerca de 1 milhão de pessoas. Já foram construídas 221.362 cisternas, de acordo com reportagem publicada pelo jornal Valor. O programa foi idealizado por uma instituição não-governamental, a Articulação do Semi-Árido (ASA), formada por cerca de 800 organizações, e conta com o apoio do governo federal. Também estão envolvidos no programa entidades empresariais, como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A participação do governo é essencial para o êxito do programa. Dos custos totais, de R$ 289 milhões, o governo respondeu por 85%.

Mas ainda há muito a fazer. O programa prevê o atendimento de 5 milhões de pessoas. Ou seja, 4 milhões de pessoas que vivem no semi-árido ainda esperam a cisterna programada pelo governo. Enquanto não dispõem dela, utilizam a água que podem encontrar, geralmente de má qualidade. Quase metade da população nordestina de 0 a 17 anos não dispõe de rede de abastecimento de água, poço ou nascente. A diarréia é uma das principais causas de internação de crianças de até 1 ano de idade e a principal causa é a ingestão de água contaminada.

O programa tem também como objetivos a preparação de trabalhadores para a construção de mais cisternas e o ensino, às famílias, da maneira correta de lidar com a água armazenada. Até agora, a ASA capacitou 5 mil pedreiros, mas o treinamento não tem sido tão rápido quanto se previa, o que pode ter contribuído para o atraso do programa.

A principal causa dos maus resultados do programa, porém, é o fluxo irregular de verbas do governo. Em outubro venceu um contrato, cuja execução está sendo fiscalizada. Do fim do contrato até o término da fiscalização, nenhuma cisterna foi ou será construída no semi-árido.