Título: Impacto de mudança climática é 'irreversível'
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2007, Vida &, p. A18

Termos do 4º e último relatório do IPCC, que sai hoje, incomodam EUA

Em uma negociação política menos acalorada e maniqueísta do que as três reuniões realizadas no primeiro semestre, cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e representantes de 130 países encerraram ontem, em Valência, na Espanha, as discussões em torno do relatório-síntese sobre o aquecimento global com um novo recado contundente ao mundo: ¿as mudanças podem ser rápidas e irreversíveis¿. A escolha do termo concentrou críticas de delegados norte-americanos ao longo da semana, mas acabou mantido.

O documento será uma das bases da Conferência do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece em Bali, na Indonésia, em dezembro. Como o nome diz, o texto resume o trabalho detalhado em milhares de páginas pelos cientistas que compõem o painel.

As sessões plenárias de Valência não foram um novo campo aberto para debates exaltados entre países ricos e nações em desenvolvimento, ao contrário das expectativas. Escrito por representantes de 23 países - de graus de riqueza tão diversos quanto Estados Unidos, Serra Leoa, Alemanha e Bangladesh -, o rascunho começou a ser discutido na segunda-feira.

Como de praxe, as negociações aconteceram a portas fechadas. O término foi divulgado, em comunicado, na tarde de ontem. ¿A mudança climática antrópica (causada pelo homem) e suas conseqüências podem ser rápidas e irreversíveis¿, dirá o relatório.

A definição de ¿irreversíveis¿ gerou protestos por parte de delegados dos Estados Unidos, cuja atitude ao longo da aprovação dos três primeiros relatórios - em Paris, Bruxelas e Bangcoc - foi marcada pela tentativa sistemática de minimizar as constatações científicas sobre o aquecimento global.

Especialistas ouvidos pelo Estado (que preferem não ser identificados em nome do sigilo exigido pelo fórum) ao longo da semana confirmaram que delegados norte-americanos contestaram o embasamento científico da suposta irreversibilidade do efeito estufa. Representantes de países europeus intervieram como contrapeso e garantiram a manutenção do termo.

DANOS PARA TODOS

Os norte-americanos também criticaram a afirmação de que ¿todos os países¿ serão afetados, mas a expressão também comporá o relatório, que deve ter 23 páginas. O IPCC reforça a idéia de que todo o planeta sofrerá o impacto do aquecimento, com diferentes graus de danos.

O texto foi considerado ¿muito equilibrado¿ pelo diretor do Observatório Nacional sobre os Efeitos do Aquecimento Global (Onerc), de Paris, Marc Gillet. ¿Não é um relatório ruim¿, disse ao Estado outro especialista.

Ele será dividido em seis capítulos. ¿Mudanças observadas no clima e seus efeitos¿ abrirá o relatório, recuperando informações de paleoclimatologia e destacando o impacto de mudanças climáticas anteriores nas sociedades. O segundo capítulo, ¿Causas das mudanças¿, reforçará a posição do homem como responsável pelo agravamento do efeito estufa.

¿Mudanças climáticas e seus impactos em médio e longo prazos sob diferentes cenários¿, o terceiro capítulo, vai se focar nas alterações previsíveis até o momento, com ênfase na elevação de 1,1°C a até 6,4°C na temperatura média da Terra até 2100. O capítulo trará um resumo das prováveis conseqüências sobre água, agricultura e desenvolvimento. As eventuais transformações causadas em ecossistemas como os da Amazônia, ameaçada de savanização, não serão mencionadas porque os relatores optaram por não destacar dados regionais.

Os tópicos seguintes, sobre mitigação do aquecimento, mencionarão fontes alternativas de energia consideradas viáveis pelo IPCC. Quando essa avaliação foi divulgada pela primeira vez, em maio, menções reiteradas à energia atômica e o pouco destaque aos biocombustíveis geraram questionamentos entre delegados, cientistas e ativistas. A divulgação do texto completo acontece hoje, com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

TERMÔMETRO

Riscos a que a Terra está sujeita com o aumento da temperatura média do planeta, decorrente do efeito estufa, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC):

Acréscimo de 1°C: O derretimento das geleiras ameaçará o suprimento de água para 50 milhões de pessoas; cerca de 80% dos recifes de coral em todo o globo morrerão; aumentam os danos costeiros causados por inundações e tempestades

Acréscimo de 2°C: A produção de cereais na África tropical cairá até 10%; até 30% das espécies de seres vivos serão ameaçadas de extinção e a camada de gelo da Groenlândia começará a derreter de forma irreversível

Acréscimo de 3°C: Entre 1 bilhão e 4 bilhões de pessoas a mais enfrentarão falta de água; entre 1 milhão e 3 milhões de pessoas a mais morrerão de desnutrição e haverá início do colapso da floresta amazônica

Acréscimo de 4°C: As safras de produtos agrícolas diminuirão entre 15% e 35% na África e até 80 milhões de pessoas a mais serão expostas à malária no continente; até 40% dos ecossistemas no mundo serão afetados

Acréscimo de 5°C: Grandes geleiras desaparecerão; a elevação do nível dos oceanos ameaçará locais como Londres e Tóquio; o sistema de saúde sofrerá uma sobrecarga com o aumento do número de casos de afetados