Título: Base aliada também já começa a contestar a DRU
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2007, Nacional, p. A6

Deputado governista apresentou proposta que reduz progressivamente Desvinculação de Receitas da União sobre recursos destinados à educação

Mesmo que garanta a aprovação no Congresso da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), o governo federal sabe que desta vez esse processo começou a sair caro. Além de se comprometer com medidas que deverão lhe custar uma redução de receita de aproximadamente R$ 20 bilhões durante os próximos quatro anos, o governo foi obrigado a discutir futuras concessões em relação à DRU para conseguir que ela seja prorrogada até 2011, no mesmo projeto que inclui a ampliação do prazo de validade da CPMF. O texto com as duas propostas ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado.

Desde sua criação em 1994, ainda como Fundo Social de Emergência (FSE) e depois como Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), a DRU vinha sendo prorrogada sem grandes dramas e garantindo ao governo a desvinculação de qualquer despesa previamente fixada de 20% da arrecadação de todos os impostos e contribuições recebidos pela União. Ou seja, tem a possibilidade de usar seu caixa com grande flexibilidade.

Agora, no entanto, com a maior fragilidade política do governo no Congresso, até parlamentares da base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriram a discussão sobre a redução significativa desse porcentual de desvinculação, tentando assegurar mais recursos para áreas específicas, como educação.

Integrante da base governista, o deputado Rogério Marinho (PSB-RN) apresentou uma proposta de emenda constitucional que reduz progressivamente o uso da DRU sobre recursos destinados à educação. O projeto conquistou apoio importante dentro da chamada bancada da educação e também entre representantes da sociedade civil. Ganhou tanto corpo dentro do Congresso que passou a ser uma ameaça real para a prorrogação da DRU.

Pela emenda apresentada por Marinho, a incidência da DRU sobre a educação seria reduzida progressivamente até 2011. Assim, cairia de 20% para 15% em 2008, 10% em 2009 e 5% em 2010. Em 2011, essa incidência cairia para zero, o que poderia gerar uma receita de R$ 17 bilhões durante o período para programas de educação básica.

Pelas contas do deputado e da bancada ligada ao setor, desde 1998 mais de R$ 43 bilhões deixaram de ser usados pelo governo na educação graças a desvinculações dessas receitas para utilização em outras áreas de interesse do governo.

No Senado, Cristovam Buarque (PDT-DF) elogiou a idéia e anunciou a disposição de apresentar uma proposta até mais radical, revinculando para a educação todos os 20% de que hoje o governo pode fazer livre uso por meio da DRU.

PRESSÃO

Com o aumento da pressão, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, resolveu conversar com os integrantes da bancada da educação, incluindo o deputado Rogério Marinho, para conter o movimento. E acenou com a possibilidade de o governo no futuro adotar alguns dos mecanismos propostos pelo deputado.

¿No caso da educação, já estamos trabalhando sabendo que no futuro, na reforma tributária, vamos ter de fazer esse debate sobre mudanças na DRU¿, admite o ministro Mares Guia.

Na verdade, o governo se viu obrigado a ceder na CPMF e a abrir o debate sobre a DRU porque tem menos votos dentro do Congresso hoje do que imaginava ter durante o primeiro ano do segundo mandato do presidente Lula.

Normalmente, fortalecido por mais uma vitória nas urnas, o presidente deveria ter um ano sob controle dentro do Congresso. Mas a crescente insatisfação na base, especialmente pelo não-atendimento na entrega de cargos e na liberação de recursos de emendas ao Orçamento, fez com que os aliados do governo se dispersassem e passassem a conduzir negociações individuais.

Para piorar esse ambiente político, o governo passou a não contar mais com seu principal articulador dentro do Senado, depois que Renan Calheiros (PMDB-AL) caiu em desgraça, acusado de permitir que uma empreiteira pagasse despesas pessoais suas e de supostamente ter usado laranjas para assumir o controle de emissoras de rádio em Alagoas.

Como presidente do Senado, Renan era a principal ligação do Palácio do Planalto com o PMDB e até com integrantes de outros partidos. Após o aliado ter sido obrigado a se licenciar da presidência para tentar salvar o mandato, essa ligação se dissolveu e o governo passou a negociar a prorrogação da CPMF e da DRU diretamente com os senadores em movimentos confusos, que envolveram até o ministro da Fazenda, Guido Mantega, numa fracassada negociação com o PSDB.

DENÚNCIA

Os problemas de articulação política também revelaram as dificuldades enfrentadas pelo próprio Mares Guia. Com menos trânsito político entre senadores do que junto aos deputados, o ministro conseguiu operar enquanto a proposta da CPMF e DRU tramitava na Câmara.

Mas ele também está tendo de resolver seu próprio futuro político, aguardando a apresentação pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, da denúncia sobre o suposto esquema de mensalão em Minas Gerais. Há a expectativa de que Mares Guia possa vir a ser citado como participante de alguma irregularidade no esquema de arrecadação de recursos eleitorais na campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) - hoje senador -, em 1998, quando disputava a reeleição ao governo do Estado.

Se for acusado no relatório do procurador, sua permanência no cargo se torna improvável, podendo ser substituído imediatamente pelo líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), seu companheiro de PTB.

A ORIGEM

1994: É criado o Fundo Social de Emergência (FSE), que fazia parte do pacote de medidas fiscais do governo Itamar Franco para tentar equilibrar as contas públicas. Os recursos originalmente vinculados a algum setor poderiam ser utilizados a depender da conveniência da equipe econômica. PSDB e PFL se uniram pela primeira vez no Congresso para aprovar a proposta.

1997: É criado o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), basicamente uma repetição do Fundo Social de Emergência.

2000: O governo assume que o papel do FEF - e do antigo FSE - era apenas a flexibilidade do uso dos recursos públicos, driblando vinculações previstas na legislação para áreas como saúde e educação. É criada, então, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que vigoraria inicialmente até 2003. O texto impedia que a desvinculação proposta pelo governo atingisse o salário-educação.

2003: Nova prorrogação da DRU, dessa vez até 2007. Não são feitas alterações no seu formato.