Título: 'País pode ganhar ¿ 4 bi com armas'
Autor: Godoy, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2007, Economia, p. B21

João Verdi de Carvalho Leite: presidente da Avibrás Aeroespacial

O Brasil pode faturar até ¿ 4 bilhões por ano com as exportações de equipamentos militares - e pode fazer isso em prazo bem curto, operando com as nações da África, Ásia e do Golfo Arábico. Basta o governo apoiar as iniciativas de vendas dos empresários da área e criar uma política financeira para o setor, nos termos do Eximbank americano. ¿É o suficiente para garantir sucesso ao plano de reativação da indústria de material de defesa pretendido pela administração do presidente Lula¿, sustenta o engenheiro João Verdi de Carvalho Leite, o presidente da Avibrás Aeroespacial, de São José dos Campos (SP).

Verdi sabe do que está falando. Aos 71 anos de vida, 46 dos quais dedicados ao desenvolvimento da empresa que fundou em 1961 para construir aviões leves e foguetes científicos, ele é o mais antigo produtor brasileiro de sistemas de combate. Nos anos 80, ele vendia cerca de US$ 400 milhões por ano para clientes como o Iraque de Saddam Hussein (¿Me lembro dele como uma pessoa agradável¿) e a Arábia Saudita, da dinastia Abdulaziz.

Seu principal produto, o lançador múltiplo de foguetes Astros-II, está entrando na quarta geração com novas capacidades: os maiores vetores podem alcançar alvos a 150 km de distância levando até 65 granadas de dispersão - antiblindados, antipessoal e incendiárias. Outra alternativa são as ogivas únicas, de cerca de 150 quilos. O catálogo incorpora um míssil de cruzeiro, com alcance de 300 km. Todas disparadas por rampas montadas sobre carretas 6x6 de blindagem leve. O catálogo contém carros de comando blindados, bombas inteligentes e um novo sensor de grandes possibilidades: pequenos conjuntos eletrônicos que dão inteligência aos foguetes não guiados de 70 mm. Com o acessório, a arma ganha certa capacidade de navegação - vira uma espécie de míssil de baixa tecnologia e custo reduzido.

A Avibrás é fornecedora de exércitos em 14 países. O cliente mais recente, a Malásia, defende o estreito de Málaga, por onde circula 90% do petróleo do Oriente Médio, com baterias do Astros-II. Na semana passada, João Verdi falou ao Estado:

O sr. acredita que o programa de reequipamento das Forças Armadas, associado à revitalização da indústria nacional de equipamentos militares, vai sair do papel?

Eu participei de uma série de reuniões no Ministério da Defesa. O ministro Nelson Jobim está muito entusiasmado e ativo, parece empenhado em executar o plano de fato. Intenções muito grandes e esperanças maiores ainda. Mas daí a termos uma realidade... Bem, o Brasil é devagar e cheio dos acontecimentos. Às vezes, um dado programa não se efetiva por razões políticas de certa forma simplórias.

Há um caso emblemático?

A concorrência do caça FX, que agora vai ser reiniciada (para compra de supersônicos de última geração - suspensa em 2003, acabou cancelada em 2005 sem definição do vencedor; a Avibrás participava associada à Sukhoi, russa), foi uma experiência melancólica do Brasil em relação ao mundo, em relação às empresas no campo de defesa que se interessaram.

Por que a licitação foi cancelada?

Não houve uma justificativa plausível. A retomada atual, por meio de procura direta (o avião será escolhido por critérios técnicos), certamente com envolvimento da Embraer e de outras empresas do Brasil - espero que a Avibrás esteja presente por meio dos armamentos que nós temos, sim, a capacidade de fazer, junto com os equipamentos de bordo - é muito positiva.

Quais são as virtudes essenciais que devem estar presentes no programa de resgate da indústria nacional de material de defesa?

A primeira virtude é que o programa seja pragmático. Que olhe para as empresas do Brasil. Esse programa não fará sentido nenhum se não envolver as empresas nacionais. É preciso evitar erros do passado, quando as Forças Armadas compraram material usado, velho, com problemas seriíssimos de manutenção. Um grande engodo e um grande erro. Não acrescentou nada ao poder de fogo, não gerou um só emprego adicional no País, não produziu um centavo de riqueza e não serviu de base para a indústria de equipamentos militares já instalada.

A indústria nacional do setor militar é consistente?

Muito. É sólida, exportadora e tem bom nome no exterior. Então eu insisto: qualquer solução que não olhe a indústria brasileira de defesa não é uma boa solução.

O governo defende compras condicionadas à transferência de tecnologia. O sr. acha que essa iniciativa é viável?

Nenhuma empresa de defesa no mundo transfere tecnologia atualizada para um país emergente. Em todos os programas que conheço, no mundo inteiro, o conhecimento transferido é de tecnologia já velha disfarçada de nova, de pouca importância, praticamente em desuso. Eu não acredito nisso.

Parcerias internacionais seriam uma alternativa?

A parceria pragmática é aquela que gera mercado para as duas empresas envolvidas. Um grupo está mais avançado e com produtos novos e faz a parceria com uma companhia de país emergente. Por quê? Porque países emergentes têm acesso a mercados que outros não têm. Isso às vezes é esquecido.

Um exemplo.

Ah, veja o nosso caso. O Brasil tem uma excelente posição na África, no Oriente Médio, na Ásia... O Brasil é um país sem pretensões de dominação. As vendas de material brasileiro de defesa são operações comerciais, de certa forma amistosas, desprovidas de componentes políticos.

O sr. acha que é possível recompor a grande atividade que o complexo industrial militar brasileiro teve há pouco mais de 20 anos?

Eu acredito, sim, e acho que isso pode ser obtido de imediato. Eu tenho certeza de que essa afirmativa causará surpresa em muitas autoridades em Brasília, porque elas não conhecem a capacidade das empresas do setor. Existe um potencial extraordinário para o material de defesa. A Avibrás é um exemplo disso; ela sobreviveu a todas as loucuras do Brasil, e olha que foram muitas loucuras, grandes loucuras.

Que tipo de loucura?

Vou contar um episódio até hoje inédito. Aconteceu no primeiro governo (1995-1999) do presidente Fernando Henrique Cardoso. Havia um avião da Presidência da República da Colômbia vindo para São José dos Campos, numa operação de emergência para buscar foguetes da Avibrás que seriam usados na guerra contra o narcotráfico e a guerrilha. Obviamente, a exportação fora aprovada pelo nosso governo. Os foguetes estavam embalados e o avião presidencial já estava voando para o Brasil quando ficamos sabendo de uma medida governamental assinada horas antes pelo ministro da Justiça, pelo presidente da República e pelo ministro da Fazenda - mas sem a assinatura dos ministros da Defesa e das Relações Exteriores - que impunha, de surpresa, um imposto de 150% na exportação de equipamentos militares. Imagine a minha posição diante de um prejuízo de 150% sobre um material pronto, contratado e ajustado. Não podia deixar de entregar a encomenda, de honrar um compromisso de governo para governo, um compromisso da minha empresa.

Como a crise foi resolvida?

A única solução foi recorrer à Justiça, obter uma liminar para que não me cobrassem o imposto e permitindo que eu atendesse ao cliente. Logo em seguida, a lei mudou. Mas, como até hoje ainda não foi julgado o mérito da ação, ainda posso ter de pagar esse imposto.

A sua empresa esteve em concordata?

Conseqüência de outra loucura do governo, coisa do tempo do ex-presidente José Sarney e daqueles planos econômicos malucos. Havíamos feito uma exportação de US$ 400 milhões. De repente houve uma mudança na lei do câmbio. Nós receberíamos em moeda forte, mas com 36,6% de desvalorização na moeda brasileira da época. Perdemos US$ 123 milhões da noite para o dia. Pedimos concordata.

A saída veio com a Guerra do Golfo, em 1991?

Nos recuperamos brilhantemente da concordata porque houve a Guerra do Golfo. Vendemos o nosso material (foguetes para os lançadores Astros-II utilizados pela Arábia Saudita) para clientes da região, sem o auxílio do governo.

Onde está o melhor mercado para o Brasil?

O Golfo Arábico continua uma praça muito importante e a Ásia e o Oriente são mercados fenomenais, em pleno crescimento.

Existe algum tipo de apoio do governo?

Não. O governo não vai junto e precisa ir. Hoje existe uma vontade muito forte do Ministério da Defesa de se fazer presente nessas iniciativas de negócios.

O sr. vê a indústria de defesa como uma boa plataforma para a política externa do País?

A indústria de defesa é uma plataforma essencial à diplomacia. Um país sem indústria de defesa não tem suas Forças Armadas vistas como força efetiva; a força vem da existência de uma indústria militar. É um suporte excepcional na pretensão brasileira de obter um assento no Conselho de Segurança na ONU.

Quais os níveis de governo que devem estar envolvidos nas ações da indústria de defesa?

O mercado internacional do setor é praticado de governo a governo; logo, tem de ter o primeiro mandatário participando diretamente. Todos os países que exportam material militar se apresentam por meio do presidente, do primeiro-ministro, do ministro da Defesa e, quando é o caso, até dos seus monarcas - é o governo agindo. Não é o presidente de uma das empresas do país, atuando sozinho. Eu não posso falar pelo Brasil. Quem faz isso é o primeiro mandatário, o presidente da República. É um dos fatores determinantes do sucesso.

Na Rússia o presidente Vladimir Putin participa da vida da indústria.

... nem pode ser diferente! Ele tem ali uma agenda praticamente diária.

Quanto é que o Brasil pode faturar com exportações de material de defesa?

Hoje, o Brasil tem potencial para exportar de ¿ 3 bilhões a 4 bilhões por ano, o que colocaria o País como o quarto ou quinto maior fornecedor de produtos de emprego militar do mundo.

Qual seria a parcela da Avibrás nesse quadro?

Só com os produtos da Avibrás, o Brasil pode faturar mais de ¿ 1,4 bilhão por ano. Estamos preparados para isso. Basta recrutar de novo nossos ex-funcionários. Já tivemos 6 mil contratados, hoje temos 1.100. É um núcleo multiplicador que pesquisa e desenvolve produtos novos, atende a clientes, mantém o nome.

O setor de defesa tem acesso a linhas governamentais de crédito e financiamento?

Não existe financiamento, não existe um banco de governo. Todos os países onde estão nossos concorrentes mantém um sistema financeiro para apoiar o empresário da área de equipamento militares. Nós não temos. O BNDES é zero, o Banco do Brasil é zero.

Falta uma política específica nessa área?

Está faltando um banco de governo, do tipo do magnífico Eximbank americano.

Quem é: João Verdi

É engenheiro aeronáutico formado pelo ITA.

Fundou a Avibrás Aeroespacial em 1961 para produzir aviões de pequeno porte; sem encomendas, passou a fabricar com sucesso foguetes, propelentes e, mais tarde, bombas e mísseis.

É o criador do multilançador de foguetes Astros-II, usado nas guerras do Irã e do Golfo.

APOIO: ¿Todo país que exporta material militar se apresenta por meio do primeiro mandatário¿

CONCORRÊNCIA: ¿Nenhuma empresa de defesa transfere tecnologia atualizada para país emergente¿

ESTRATÉGIA: ¿Um país sem indústria de defesa não tem suas Forças Armadas vistas como força efetiva¿