Título: 'Brasil precisa cuidar bem da Amazônia'
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/11/2007, Nacional, p. A8

Delegado cita ainda preocupação com combate a crimes de mando e contra a vida, que assumiram proporções graves

Com mais de 450 megaoperações executadas, que levaram à prisão pelo menos 6 mil pessoas, em 5 anos, a Polícia Federal também vai agora se voltar para a Amazônia. Esse reforço estratégico foi revelado ao Estado pelo delegado Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da PF desde setembro. ¿A Amazônia é prioridade por tudo que ela significa em termos de meio ambiente e o Brasil precisa cuidar bem desse patrimônio da humanidade¿, afirma. Corrêa lembra, ainda, que há preocupação com o uso da região como rota do narcotráfico, além do contrabando de riquezas nos mais de mil quilômetros de fronteira desguarnecida.

No mês que vem, a PF vai incorporar a seus quadros mais 636 policiais aprovados em concurso, dos quais 257 (40%) vão para a Amazônia. Outra prioridade, segundo o diretor-geral, é ajudar os Estados no combate à criminalidade em geral, especialmente os crimes de mando e contra a vida. ¿Tudo isso, sem descuidar das megaoperações de combate à corrupção, que serão ampliadas em todo o País¿, ressalta.

Ex-jogador de vôlei, Corrêa é de Santa Maria, mesma cidade de Nelson Jobim, ministro da Defesa, e onde cresceu Tarso Genro, ministro da Justiça. Casado, 49 anos, três filhos, o chefe da PF tem dois pontos fracos na vida: o chimarrão e o Grêmio porto-alegrense. Ele ingressou na carreira há 27 anos, como agente. Em 1995, foi aprovado no concurso de delegado. Antes, passou em concursos para o Judiciário e o Ministério Público. ¿Sou polícia por natureza¿, afirma.

Como será a cooperação com a segurança pública dos Estados?

A PF está se preparando para uma cooperação federativa mais intensa. Cresce na PF a consciência de que nós temos um papel nessa articulação federativa de segurança pública, de proximidade e de apoio aos Estados. Uma das preocupações é o combate à pistolagem e aos crimes contra a vida, que assumiram proporções graves em vários Estados. É o caso de Pernambuco, onde desmantelamos grupos de extermínio. O mesmo ocorreu no Ceará, onde os grupos de matadores eram comandados por policiais nas horas de folga. Outro exemplo de cooperação foi a articulação com a Prefeitura de São Paulo no caso do Law King Chong, no combate ao contrabando de mercadorias importadas.

Em que outras áreas a PF pode ajudar os Estados?

Um exemplo é o caso do Detran do Rio Grande do Sul, onde foi desmantelada uma quadrilha de roubo de carros. Em vários Estados, ajudamos a investigar atividades criminosas com envolvimento de agentes públicos. Outro caso é nossa atuação no sul do Pará, para conter a violência no campo. Fizemos apreensão de um arsenal de armas em fazendas. Lá tem os dois lados: a violência dos invasores e a força dos fazendeiros, muitos também grileiros, defendendo a terra com a matança de pessoas. São ações que, em tese, não seriam de competência da PF, mas, pela sua capacidade de investigação e relevância do caso, ela tem contribuído fortemente.

Por que o combate à pirotecnia nas operações policiais está entre os objetivos do novo manual de conduta operacional da PF?

O manual é algo muito mais amplo. Vai passar também por isso, porque é um acúmulo de experiência. A nossa ação tem uma finalidade: produzir prova. Tudo que possa contaminar a prova tem de ser excluído. Mas está se dando enfoque a um detalhe periférico. O que é mais importante no manual é blindar a produção da prova. A nossa preocupação é, numa busca, como deve proceder o policial na coleta e na preservação para que isso chegue ao Instituto Nacional de Criminalística sem qualquer contaminação. O objetivo é que o laudo consolide aquela busca e seja uma prova inatacável. Que a prova deixe o promotor à vontade para oferecer uma denúncia e, ao final, o juiz condene com base naquela prova produzida.

Que importância dá à interceptação telefônica?

É um dado relevante, mas não é o ponto central. Ela nos racionaliza, nos permite agilizar a produção da prova. Substitui uma vigilância física, uma localização de pessoas, revela práticas, costumes e contatos do suspeito. Mas isso não substitui a investigação, porque eu tenho de vigiar, filmar e materializar aquilo que falaram. É um instrumento a mais para ser analisado na composição do corpo da prova, que não pode se basear só nisso, nem ser regra. A melhor fonte ainda é a humana: pessoas dispostas a dar informações, a delação premiada de alguém de dentro da organização. Tudo isso tem mais peso do que um diálogo solto. Dependendo do delito, o diálogo ganha ou perde valor.

A estrutura de pessoal da PF vai continuar a crescer?

No próximo dia 14 de dezembro se formam mais 700 novos policiais nas diferentes categorias, além de peritos. Com isso, o efetivo da PF sobe para 14.296 servidores, dos quais, 10.400 são policiais. Esse efetivo será prioritariamente lotado na Amazônia e fronteiras, onde há déficit de efetivo. Hoje, temos operações na Amazônia e a PF tem de deslocar freqüentemente policiais, o que encarece o custo.

Por que a prioridade para a Amazônia?

A Amazônia é prioridade por tudo que significa em termos de meio ambiente. O olhar do mundo todo está voltado para esse patrimônio da humanidade, que nós temos de cuidar. Há grande preocupação também com tráfico de drogas, proteção das nossas fronteiras, extração irregular de minerais, pedras preciosas e riquezas da floresta.Vamos nos concentrar nisso para ter maior capacidade de resposta instalada. Se lotar mais, cai o custo com deslocamentos, diárias, passagens. Articulado com Ibama, Ministério do Meio Ambiente, Incra e Funai, nós estamos com várias medidas em vista. A PF terá ação mais proativa e não só por demanda desses órgãos. Vamos produzir inteligência sobre desmatamento, exploração ilegal de madeira, minérios, etc.

As megaoperações serão mantidas ou terão correção de rumo?

Isso não é uma diretriz da direção, mas de capacidade instalada de investigação. A PF investiga fatos e, à medida que a inteligência vai produzindo conhecimento e se inteirando do fato, vai ganhando a dimensão que tem. A polícia ganhou grande capacidade de investigar corrupção e fraudes, em articulação com os órgãos de controle interno do governo (CGU e TCU).

A polícia prende, a Justiça solta. É falha na produção de provas?

Nós temos dois tipos de prisão. Uma é a processual, que engloba as prisões temporárias e preventivas. Essa tem um prazo e uma razão de ser no processo. Se, findo o prazo da prisão temporária, o juiz solta, não quer dizer que a prova está fraca. Prisão temporária faz parte da produção da prova. Cumpriu seu papel, não é mais necessária. Só ao final, na sentença, é que temos de avaliar quantos foram condenados. O (banqueiro Salvatore) Cacciola, por exemplo, foi solto após a prisão processual e agora está capturado por força de uma decisão judicial. Então a prova foi boa.

A PF tem sido alvo de queixas quanto a abusos nas prisões.

Abuso não teve. O que nós temos de fazer é redobrar o cuidado para aprimorar o nosso serviço. O que é considerado abuso talvez seja porque algumas classes sociais, algumas categorias que historicamente não eram atingidas pelas ações de repressão do Estado, agora estão sendo. Isso deve causar desconforto. Onde há excessos, a PF demonstra que não tem constrangimento nenhum em apurar desvios de conduta.

De um modo geral, a ação das polícias no Brasil está associada a violência e corrupção. Como vê isso?

A parte repressiva tem de ser qualificada, como revelam as ações da PF. Os Estados estão capacitando suas polícias civis e têm feito esforços para chegar num nível, se não igual, próximo da PF, para que no futuro nós tenhamos todos o mesmo padrão de serviço. Se olharmos os Estados, vamos encontrar ilhas de excelência. A questão é torná-las regra geral.

Megaoperações prenderam mais de mil servidores públicos. Significa a falência do Estado?

A criminalidade organizada tem como uma de suas características alcançar agentes do Estado, pois ela precisa de facilidades. Se não tiver um braço de servidor público, não caracteriza crime organizado. Historicamente, o que o País nunca teve foi capacidade de investigação e vontade política de enfrentar o problema. A pressão da opinião pública e a mobilização social trouxeram a vontade política do governo a reboque. Se a sociedade era permissiva com certas coisas, os governos refletiam isso. O País está melhor