Título: O lobo perde o pêlo, não o vezo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2007, Notas e Informações, p. A3

Na mesma semana em que quatro economistas não-alinhados com o governo foram afastados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os jornais noticiaram que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) baixou de 6 para 5 a nota do curso de pós-graduação em economia da PUC/RJ e anunciou que não mais financiará o Programa de Formação de Quadros Profissionais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Esses fatos não são isolados. Respeitada internacionalmente, a pós-graduação de economia da PUC/RJ foi de onde saíram os responsáveis pelo Plano Real, na década de 90, e onde hoje se concentram os economistas que mais criticam as políticas do governo, tais como a educacional, a tributária e a fiscal. Conhecido por seus vínculos com importantes universidades americanas e européias, o Cebrap foi criado nos anos 70 por professores da USP aposentados pela ditadura militar, dentre os quais o futuro presidente Fernando Henrique Cardoso. Nos últimos anos, a entidade se destacou pelas críticas ao projeto de reforma universitária concebido pelo ministro Tarso Genro, quando chefiou o MEC.

Assim como ocorreu no Ipea, cujo presidente, Márcio Pochmann, justificou o expurgo de dois dos quatro economistas afirmando que o órgão não tinha interesse em renovar um acordo que os mantinha trabalhando na instituição, a Capes também alegou não ter interesse em renovar um contrato de financiamento de pesquisadores do Cebrap. O contrato, que vinha sendo renovado desde 1986, expira em 2008. Segundo a Capes, ele não mais se adapta aos seus ¿programas¿. No caso do rebaixamento da pós-graduação de economia da PUC, o órgão alegou que o ¿nível de desempenho acadêmico¿ do curso caiu.

Esses fatos não são fortuitos, mas produtos deliberados de alguns setores do governo empenhados em calar eventuais críticos e em substituir o pluralismo de idéias por uma ideologia oficial politicamente correta, dita antineoliberal.

A manipulação do Programa Nacional do Livro Didático faz parte dessa estratégia de proselitismo político. Uma das ¿obras¿ compradas pelo MEC para ser distribuída às escolas de ensino básico, a Nova História Crítica, além de conter erros conceituais e falhas de informação, submete estudantes à lavagem cerebral. Entre outras falsificações da história, apresenta Mao Tsé-tung e Fidel Castro como ¿estadistas¿ e classifica revoluções socialistas como ¿experiências originais¿, mas silencia sobre os milhões de assassinados pelo regime de Mao, sobre os fuzilamentos de adversários do regime cubano, sobre o arquipélago Gulag do regime soviético e sobre o fracasso do socialismo e do comunismo.

Outra frente dessa ofensiva obscurantista é o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). No último exame, sob a forma de teste, a prova foi utilizada para induzir os universitários interessados evidentemente em dar a ¿resposta certa¿ a ¿aderir¿ à idéia de que a sociedade se move pelo conflito de classes e entre capital e trabalho, alternativa considerada correta, e não pela economia de mercado, alternativa considerada errada. Numa dissertação de seis linhas sobre o papel da mídia na democracia, os alunos tinham de escolher um entre três enunciados, dois dos quais sustentavam que a imprensa é um instrumento das classes dominantes para manter a exploração e bloquear a circulação de ¿idéias alternativas¿. O terceiro enunciado apresentava a mídia comprometida com a liberdade de opinião, mas induzia os estudantes a pensar que a alternativa era falsa.

Nunca é demais lembrar que o governo responsável por esses expurgos e por essas inequívocas formas de lavagem cerebral é o mesmo que em 2004 propôs a criação do Conselho Federal de Jornalismo para interferir nas redações, a pretexto de fiscalizar o exercício das atividades jornalísticas. Não teve sucesso na empreitada por causa da reação da sociedade. Mas, como o lobo, que perde o pêlo, mas não o vezo, o governo petista continua tendo dificuldade para se adaptar a práticas e princípios de uma democracia diferente da do coronel Chávez.