Título: Gastos do Ministério da Saúde por ordem judicial a
Autor: Westin, Ricardo; Cimieri, Fabiana
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2007, Vida&, p. A12

Em 4 anos, desembolsos com remédios ordenados pela Justiça pularam de R$ 188 mil para R$ 26 milhões

Cada vez mais pessoas doentes buscam os tribunais quando não acham nas farmácias públicas os remédios de que necessitam. As ações são ajuizadas contra prefeituras, governos estaduais e o Ministério da Saúde. Só os gastos do ministério foram multiplicados por 138 em quatro anos, de R$ 188 mil em 2003 para R$ 26 milhões neste ano. Mas os mais processados são os Estados. O governo de São Paulo prevê que gastará, entre janeiro e dezembro deste ano, cerca de R$ 400 milhões em remédios para 25 mil pessoas. Em 2005, o Estado havia despendido R$ 200 milhões.

Os pedidos quase sempre se referem a drogas modernas e caras, principalmente contra o câncer. Muitas são essenciais para que os doentes continuem vivendo. Por isso, quando consideram os pedidos procedentes, os juízes concedem liminares, decisões que exigem cumprimento imediato e valem até que o mérito da questão seja julgado.

¿As ações estão aumentando porque as pessoas estão tendo mais acesso às informações, conhecendo mais os seus direitos¿, explica a advogada Renata Vilhena Silva, especializada em saúde.

PERFIL

As pessoas que processam a Prefeitura de São Paulo para obter remédios que não encontram na rede pública têm mais de 60 anos, são aposentadas e moram em bairros com ¿menor grau de exclusão social¿. Obtiveram a receita de um médico do sistema público, mas contrataram um advogado particular. A maior parte são mulheres.

Esse perfil médio das pessoas que recorrem à Justiça foi traçado pelo Centro Paulista de Economia da Saúde, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com base nas 170 ações movidas em 2005 contra a Prefeitura, obrigada a desembolsar R$ 876 mil.

De acordo com os dados verificados pela Unifesp, não são apenas pessoas pobres que recorrem à Justiça para obter remédios gratuitamente. Embora as receitas médicas apresentadas ao juízes de São Paulo sejam, em sua maioria, originadas em serviços públicos de saúde, uma parte considerável das prescrições (27,5%) é assinada por médicos particulares.

Para conseguir que os tribunais obriguem os governos a pagar seus remédios, os doentes usam como argumento o artigo 196 da Constituição: ¿a saúde é direito de todos e dever do Estado.¿ O Sistema Único de Saúde (SUS) se norteia pelos princípios da universalidade, da eqüidade e da integralidade. Ao estabelecer que a saúde é um direito de todos, a Constituição não faz distinção entre ricos e pobres.

Tal amplitude é criticada pelos governos. O dinheiro desembolsado com as ações se soma ao que já é destinado aos programas regulares de entrega de medicamentos. A cada mês, a Prefeitura de São Paulo gasta perto de R$ 10 milhões com seu programa, que inclui 220 remédios diferentes. ¿Os remédios são comprados fora de uma programação anual e prejudicam o planejamento¿, argumenta Maria Cristina Scandiuzzi, da Gerência de Câncer da Secretaria da Saúde do Distrito Federal.

Os governos queixam-se ainda de a Justiça determinar a entrega de drogas que existem só no exterior e de outras que ainda estão em fase de testes, sem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirmou ontem que as ações ¿atrapalham profundamente¿ o planejamento e execução dos gastos públicos. ¿O preocupante é que parte significativa (dos processos) é referente a remédios não registrados no Brasil e, muitas vezes, em fase experimental no exterior, o que, do ponto de vista médico, é inadmissível¿, disse.

Pacientes também pedem remédios que não são indicados para suas doenças, pelo menos de acordo com os protocolos médicos do Brasil. É o caso da Karina Kikuti, uma fisioterapeuta de 28 anos que vive em São Bernardo do Campo (SP). Ela obteve na sexta-feira passada uma liminar que obriga o governo paulista a pagar-lhe o rituximabe, uma droga importada de última geração que é indicada para o linfoma (câncer dos gânglios linfáticos). Karina, porém, tem lúpus. Estudos já demonstram que esse remédio também age sobre o lúpus.

¿Cada dose custa R$ 30 mil. Se precisasse de uma dose só, venderia o carro e resolveria o problema. Mas preciso de várias¿, conta ela, que se afastou do trabalho por causa da doença. ¿Acho que o governo tem de oferecer esse tipo de remédio. Eu pago milhões de impostos, mas não sou amparada quando mais preciso?¿

A médica Paola Zucchi, uma das responsáveis da Unifesp pelo estudo das ações contra a Prefeitura, diz que o dinheiro extra gasto pelos governos atrapalha as políticas de distribuição de medicamentos. ¿Na saúde pública, o gestor tem de fazer muitas escolhas. Ele vai dar uma droga experimental de R$ 300 mil para um senhor de 89 anos que tem câncer ou vai gastar o mesmo dinheiro para comprar ferro que vai suplementar a dieta de várias crianças? É preciso pensar coletivamente.¿

PENA DE PRISÃO

As ordens judiciais precisam ser cumpridas de qualquer forma, sob pena de multa e até de prisão das autoridades. ¿Nesta gestão, a Secretaria Municipal da Saúde obedeceu a todas as ordens judiciais dentro dos prazos¿, diz Ailton de Lima Ribeiro, secretário-adjunto da Saúde de São Paulo.

Oficiais da Polícia Federal já foram ao Ministério da Saúde, em Brasília, com mandado de prisão contra diretores do departamento de medicamentos. Eles só não foram levados para a carceragem porque, diante da prisão iminente, determinaram que o remédio em questão fosse entregue imediatamente.

Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei que tenta frear a onda de ações judiciais. O texto propõe que o SUS só deva fornecer o que consta da lista oficial de medicamentos.