Título: Greve amplia instabilidade boliviana
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2007, Internacional, p. A12
Seis departamentos farão hoje protesto contra o modo como foi aprovada proposta para nova Constituição
Seis dos nove departamentos (Estados) bolivianos realizam hoje uma greve geral para protestar contra o modo como foi aprovada a proposta para a nova Constituição do país. A manifestação ocorre em meio a um aumento das tensões entre o governo do presidente Evo Morales e grupos dirigentes desses seis departamentos - Santa Cruz, Pando, Beni, Tarija, Cochabamba e Chuquisaca - que representam cerca de 80% do PIB boliviano. Ontem, os governadores dos departamentos também pediram um referendo para revogar o mandato de Evo.
A paralisação começou ontem, em Pando, e hoje se estenderia para as demais regiões. Ela também é um 'ato de repúdio' aos episódios de violência ocorridos em Sucre, em Chuquisaca, onde três pessoas morreram em confrontos entre a polícia e manifestantes. Ontem, um policial que até então acreditava-se estar morto, reapareceu em Sucre. A morte do policial foi usada como justificativa para a polícia retirar-se da cidade. Um dos motivos do início da violência foi o tema da capital do país. Sucre é a capital constitucional da Bolívia, mas só abriga o Judiciário. La Paz conquistou o direito de abrigar as sedes do Legislativo e Executivo em 1899, após uma guerra civil.
'Essa será uma demonstração de que os departamentos estão unidos', disse o presidente do Comitê Interinstitucional de Sucre, Jaime Barrón. 'Até a demanda por mais autonomia, da qual Chuquisaca costumava se afastar, está sendo analisada por aqui porque nos demos conta de que Evo só está interessado em La Paz, seu reduto político.'
Para a oposição, a nova Carta não tem legitimidade. O texto foi aprovado num quartel em Sucre, porque manifestantes cercavam a sede da Constituinte. Protegidos pela polícia e sem a presença da oposição - que já havia decidido boicotar a votação -, 136 dos 255 deputados da Assembléia aprovaram em conjunto os 408 artigos.
O conteúdo da Carta até agora não foi divulgado na integra, mas sabe-se que ela permitirá a reeleição do presidente (de acordo com alguns jornais locais, indefinidamente), consagrará os recursos naturais como bens do Estado e do povo boliviano e ampliará os direitos dos povos indígenas. Na segunda-feira, em La Paz, o presidente boliviano formulou uma firme defesa da nova Constituição, em um comício que reuniu milhares de pessoas na Praça Murillo. 'A nova Constituição vai acabar (com o privilégio de) muita gente que tem terra sem trabalhar, mas também respeita a propriedade privada.'
O governo promete uma discussão do texto da Carta artigo por artigo, mas dificilmente isso será feito em Sucre no médio prazo. Primeiro porque a população da cidade está enfurecida com as mortes e a probabilidade de que os manifestantes voltem às ruas é grande. Depois, porque as condições de segurança ainda são precárias. Alegando não ter condições de ficar na cidade, todos os policiais fugiram para Potosí, a três horas de distância. O governador também sumiu e 108 presos fugiram da cadeia. 'Também não queremos mais a Constituinte aqui, porque não queremos legitimá-la', diz Barrón. Uma das opções, segundo integrantes do governo, seria mudar a sede para Oruro.
A paralisação das regiões ricas também tem o objetivo de protestar contra uma recente medida do governo boliviano de dar um bônus anual de US$ 300 para os idosos do país. Os recursos viriam dos impostos sobre os hidrocarbonetos que hoje são repassados para essas regiões.
Os departamentos de Santa Cruz, Beni, Tarija e Pando formam a chamada Meia-Lua, que reivindica mais autonomia. Ricos em gás e com uma agroindústria poderosa, eles querem ter mais controle sobre seus recursos e mais independência política. Recentemente essas regiões já haviam declarado 'desobediência civil'. Já Chuquisaca e Cochabamba costumavam oscilar entre os dois extremos do país, mas com a Constituinte parecem ter-se aproximado do lado mais rico. Pouco antes de a greve ser anunciada, o vice-presidente, Álvaro García Linera, denunciou como uma preparação para um 'golpe de estado' a tentativa da Meia-Lua de aprovar uma Carta que lhes daria mais autonomia e a revolta em Sucre.
Links Patrocinados