Título: Uma agenda do tamanho do Brasil
Autor: Tião Viana, Arlindo Chinaglia e Aloizio Mercadante
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

O aperfeiçoamento da representação política pressupõe a definição e a execução das grandes prioridades nacionais. A Constituição define como competência do Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de interesse da União, a exemplo dos sistemas políticos e partidários, do sistema tributário nacional, dos orçamentos públicos, dos planos de desenvolvimento e das políticas monetária e cambial. Dispor significa deliberar, interferir, debater, decidir e tantos outros verbos que expressem participação ativa. Logo, as prioridades nacionais se revelam sob a forma de leis, em sentido amplo, sempre aprovadas pelo Legislativo.

Uma agenda do tamanho do Brasil não se sustentará se for produto exclusivo da tecnocracia ou da judicialização dos grandes temas nacionais. Ela só se tornará legítima e exeqüível caso seja submetida ao processo legislativo. Afinal, como pioneiramente percebeu Montesquieu, ¿as leis escritas ou não, que governam os povos, não são fruto do capricho ou do arbítrio de quem legisla. Ao contrário, decorrem da realidade social e da história concreta própria ao povo considerado¿.

No mundo contemporâneo não há democracia sem um Legislativo cônscio de sua própria dinâmica, dialógica por natureza. No Parlamento, não raro, os benefícios do silêncio ou do adiamento de palavras, vozes e decisões podem ser maiores do que a aparente celeridade dos processos monocráticos. A própria Carta de 1988, ao estabelecer atribuições exclusivas ao Congresso Nacional, outra intenção não teve que a de zelar pela preservação da competência legislativa, com a institucionalização dos procedimentos que a garantam.

Nessa perspectiva, a abusiva utilização das medidas provisórias e a judicialização da política e da economia abalam o princípio da legitimidade e podem convalidar decisões que, no debate público, perante o Legislativo, se mostram insustentáveis. Ademais, elevam as incertezas e os custos das transações econômicas, em prejuízo da sociedade. Há quase meio século, Ronald Coase, Nobel de Economia, alertava para esses custos envolvidos nas relações entre os diversos agentes econômicos. Vamos além: acreditamos que eles são crescentes em face do desequilíbrio entre os Poderes.

O atual cenário político aponta para uma espécie de perda de substância das instituições partidárias e do próprio Legislativo. As grandes diretrizes políticas, geradoras de credibilidade, têm sido substituídas por atos isolados, quase sempre denunciadores de personalismo ou de puro fisiologismo, por denúncias repetitivas e menores ou por atitudes simplesmente mesquinhas, de cotoveladas a esmo, a refletir estranha maratona para ver quem seria a ¿flor de lótus¿. Legislar deve ser o verbo da agenda de que o País hoje necessita. Usurpar e imiscuir-se, ao contrário, constrangem e agridem a correta compreensão do que se imagina ser o necessário diálogo interinstitucional. Diálogo que não se realiza no terreno abstrato, razão pela qual não pode ter na crise sua única razão de ser.

As condições positivas para esse processo estão dadas. São auspiciosos os atuais indicadores do País. O governo do presidente Lula tem superado as expectativas, mesmo as mais otimistas, ao assegurar crescimento com redução significativa das desigualdades sociais. Isso se confirma na estabilidade econômica, na solidez das reservas externas, nas conquistas relativas ao petróleo e às energias renováveis. Na área social, citam-se a criação de nove universidades federais e a redução em 80% do passivo relativo ao custeio do conjunto das instituições universitárias federais, a multiplicação de campi universitários e a expressiva ampliação das matrículas. Isso sem falar nos cerca de 50 milhões de brasileiros alcançados por mecanismos de transferência de renda, condição primeira para a superação da miséria. Por fim, uma política externa ativa e altiva, com fina percepção das novas circunstâncias que envolvem as relações internacionais contemporâneas, que redescobre a África, prioriza a América Latina, conquista novos mercados para nossos produtos, aprofunda os canais de comunicação com os grandes centros de poder mundial e amplia consideravelmente o protagonismo mundial do Brasil.

Assegurar um crescimento sustentado compatível com as necessidades do Brasil, contudo, requer a eliminação das barreiras aos investimentos, algumas delas presentes nos próprios marcos regulatórios. Deve-se considerar a relevância, para o futuro do País, de uma reforma tributária consistente, que reduza a carga de tributos e a insegurança jurídica, hoje também potencializada pela existência de 28 códigos tributários e 44 alíquotas de ICMS. O tratamento apropriado das grandes questões sociais, como a regulamentação dos gastos mínimos na saúde, em cada ente federado, é vital para que mais cidadãos possam ser adequadamente atendidos em todas as áreas. Com a aprovação do Fundeb e o fortalecimento do Fies estão apontados caminhos para a educação de qualidade, em todos os níveis, que a Nação espera e merece. No campo do meio ambiente, é imprescindível que o Legislativo proponha política e fundo específicos para o enfrentamento do aquecimento global.

O PT, assim como os demais partidos que têm compromissos com os interesses maiores da Nação, tem a responsabilidade adicional de estimular e promover a construção de uma agenda que, de fato, seja do tamanho do Brasil. E de discuti-la e aprová-la num Congresso que tenha as grandes dimensões do País.

Tião Viana é presidente (interino) do Senado Federal

Arlindo Chinaglia é presidente da Câmara dos Deputados

Aloizio Mercadante é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado