Título: Um novo embate
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2007, Economia, p. B2

Uma nova batalha está sendo travada, nos bastidores do governo, entre São Paulo e o Amazonas. A disputa agora não é em torno de computador, celular ou de equipamentos de grande valor agregado. O governo amazonense deseja implantar um pólo industrial de cosméticos, no âmbito da Zona Franca de Manaus (ZFM). O objetivo é criar o produto ¿biocosmético amazônico¿, que seria aquele elaborado com matérias-primas da região, conferindo-lhe apelo mercadológico próprio.

Parece uma boa idéia e, talvez, essa seja uma das vocações da Amazônia. A questão é que as empresas que forem para o pólo terão direito aos incentivos fiscais da ZFM, o que terá impacto significativo sobre as empresas de cosméticos instaladas nas outras regiões do País.

Não é a primeira vez que o Amazonas tenta instalar uma indústria de cosméticos. Em 2002, a portaria interministerial 141 estabeleceu os critérios e regras para as empresas de cosméticos que desejassem se instalar no pólo industrial de Manaus e ter acesso aos incentivos fiscais. Passados cinco anos, nenhuma empresa se enquadrou nas regras e, por isso, a portaria está sendo considerada muito rígida. O governo daquele Estado apresentou um pedido ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) para que a portaria seja revista.

Quatro reuniões já foram realizadas para discutir o assunto, com representantes dos governos de São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas, sob a coordenação do secretário-executivo do MDIC, Ivan Ramalho, mas não se chegou a um consenso. O principal ponto de divergência é que o governo do Amazonas propõe que as matérias-primas regionais utilizadas nas formulações de biocosméticos devem corresponder a, no mínimo, 5% do valor total dos insumos que constituem a fórmula de cada um dos produtos.

As empresas instaladas em outras regiões querem que a participação das matérias-primas seja definida em função do seu peso nas fórmulas dos produtos. Este critério quantitativo é adotado na portaria 141, que define o processo produtivo básico (PPB) para o setor. Nas contas dos empresários, os 5% sobre o valor dos insumos se transformam em 0,63% por causa dos incentivos fiscais da ZFM.

¿O critério que estão propondo dá margem a manipulações e não garante a efetiva implantação de uma indústria de cosméticos no pólo de Manaus¿, advertiu o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), João Carlos Basilio.

¿A nossa preocupação é que não se estabeleçam apenas empresas maquiadoras, interessadas em obter os incentivos fiscais concedidos na Zona Franca¿, observou. Ou seja, empresas que apenas importem os insumos sem agregar valor aos produtos. Para ele, se a participação da matéria-prima local na composição do produto for estabelecida pelo critério quantitativo ¿será mais difícil de mascarar¿.

O secretário adjunto do Desenvolvimento de São Paulo, Carlos Américo Pacheco, é favorável a uma ¿flexibilização¿ da portaria 141. ¿Mas estão propondo um processo produtivo básico que destrói a indústria de cosmético do resto do País¿, avaliou, em conversa com este colunista. A preocupação do secretário é que um baixo porcentual de insumos locais poderá resultar em baixa agregação de valor em Manaus e que isso possa afetar fortemente as indústrias instaladas em outras regiões do País.

Uma empresa que se instale em Manaus tem direito de importar insumos sem pagar o imposto de importação (II). Além disso, tem direito à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na venda das mercadorias ao mercado interno brasileiro. Esse é o ponto que poderá dar aos cosméticos produzidos na ZFM uma grande vantagem em relação aos industrializados em outras regiões do País. ¿O risco que se corre é o de desmantelar a cadeia produtiva do setor¿, disse João Carlos Basilio.

A indústria de cosméticos brasileira é a terceira do mundo. Ela registrou um faturamento de US$ 18,6 bilhões no ano passado, a preços ao consumidor. Esse valor se refere apenas ao mercado interno, pois não estão computadas as exportações dos produtos. Só de impostos federais, essa indústria pagou cerca de R$ 5 bilhões no ano passado.

Na falta de um consenso entre as partes envolvidas, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior solicitou que a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) faça um estudo técnico sobre a questão e aponte alternativas. O estudo deverá ser apresentado no final de janeiro ou começo de fevereiro. O grande desafio é encontrar um critério que permita a criação efetiva de um pólo de ¿biocosméticos amazônicos¿, para aproveitar o nome ¿Amazônia¿, de grande apelo mercadológico, mas que não destrua as indústrias instaladas no restante do País.