Título: 'A crise nos EUA não vai atrapalhar os negócios no Brasil'
Autor: Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2007, Negocios, p. B11

Entrevista Paul Calello: presidente mundial da área de banco de investimentos do Credit Suisse Executivo diz que os mercados emergentes vão oferecer melhores oportunidades para os investidores internacionais

Paul Calello, presidente mundial do banco de investimentos do Credit Suisse, se diz ¿cautelosamente otimista¿ com o desfecho da crise de crédito nos Estados Unidos. Mas quando é questionado sobre o futuro dos negócios em países emergentes, a começar pelo Brasil, ele se mostra bem mais confiante.

¿O centro da gravidade dos investidores está se movendo para os países emergentes¿, diz Calello. ¿São países como o Brasil que podem oferecer as melhores perspectivas de crescimento.¿

O banco suíço também elegeu os mercados emergentes como prioritários. Mais de metade de seus resultados vêm de fora dos EUA. No Brasil, o Credit Suisse é líder - ou um dos líderes - em aberturas de capital, fusões e aquisições e emissões de títulos. Calello deu a seguinte entrevista ao Estado:

Até onde vai a crise financeira internacional?

Eu não iria tão longe, talvez não seja uma crise financeira internacional. Esse é como outros ciclos de negócios que já vimos, mas com uma característica interessante. Muitos problemas econômicos que vimos nas últimas décadas começaram nos mercados emergentes, como as crises financeiras da Ásia e da Rússia. O que há de mais interessante dessa vez é que os problemas começaram no mercado de hipotecas dos EUA. É um mercado esquizofrênico e um caso único.

Como assim?

Há um número recorde de calotes no mercado de hipotecas nos EUA. Mas, ao mesmo tempo, o mercado corporativo - não só nos EUA, mas ao redor do mundo - apresenta o mais baixo nível de inadimplência dos últimos 40 ou 50 anos. Por um lado, há um enorme necessidade de recursos financeiros no mercado. Por outro lado, você tem grande bolsões de liquidez, como prova o recente anúncio de compra de parte do Citibank pelo governo de Abu Dhabi.

Os problemas estão concentrados nos mercados desenvolvidos, em alguns setores, enquanto outros estão saudáveis. Os mercados emergentes continuam a ter um desempenho muito bom. Isso é verdade no Brasil, como é na China ou no Leste Europeu. O centro da gravidade do mercado financeiro mundial se moveu em direção aos emergentes.

Não é uma questão de tempo que a crise chegue aqui?

O termo mais comum usado pelos economistas hoje é o descolamento dos emergentes. Esses mercados estão razoavelmente isolados em relação ao que está acontecendo nos países desenvolvidos. Se o stress nos países desenvolvidos se estender por muito tempo, em alguma medida os efeitos serão sentidos nos emergentes. Mas a dimensão é bem menor do que seria há uma década. Do Brasil à Índia, da China ao Leste Europeu e à Rússia, os emergentes aprenderam com as dores do passado. Hoje, estão numa situação financeira bem mais forte.

Das empresas que abriram capital na Bolsa às fusões e aquisições, os negócios no Brasil têm se beneficiado da abundância de recursos no mercado financeiro internacional. Em que medida os negócios no Brasil podem ser prejudicados pela crise de crédito nos EUA?

Continuamos otimistas. Uma grande parte dos IPOs (oferta pública de ações) no Brasil são comprados por investidores estrangeiros. O que pode acontecer é uma eventual redução no ritmo da economia levar a uma redução também na demanda por investimentos. Em compensação, notamos que nossos clientes ao redor do mundo estão procurando oportunidades. Eles buscam histórias de crescimento.

Os países emergentes - e o Brasil em particular - serão uma contrapartida a um potencial redução da demanda provocada pelo desaquecimento da economia. Os emergentes vão se beneficiar disso. Hoje, 70% do crescimento da economia mundial vêm dos emergentes. Mais de 50% dos IPOs desse ano também vieram dos mercados emergentes.

Teremos mais negócios de grande porte como os que têm ocorrido no Brasil?

Existem algumas dinâmicas interessantes provocadas pelo fortalecimento da moeda e pelo aumento do valor de mercado das empresas nas Bolsas, como estamos vendo nos mercados emergentes. Uma das conclusões é que vão aumentar as oportunidades de fusões e aquisições em outros países. E as companhias brasileiras estão numa situação muito boa - com algumas das gestões mais fortes do mundo - e podem se habilitar a fazer mais negócios além da fronteira. Veremos um crescimento de fusões e aquisições internacionais. E haverá um crescente fluxo de investimentos do Oriente Médio e da Ásia, em particular para o Brasil.

Como assim?

O volume de negócios no Brasil nunca foi tão grande. As companhias são maiores, o valor de mercado das empresas aumentou, a economia vai bem. Deve ser forte a movimentação em negócios ligados a commodities, como a venda de parte da mineradora brasileira MMX para a Anglo American. Também devem ocorrer muitos negócios com empresas brasileiras de serviços.

Qual sua expectativa sobre investimentos de empresas estrangeiras no Brasil?

Este ano, os números são recordes. Esse movimento deve continuar. Existem poucas oportunidades de crescimento em economias desenvolvidas. As empresas de private equity (que compram participações em companhias) estão em busca de oportunidades e olham cada vez mais para os mercados emergentes.

Tradicionalmente as ações nos mercados emergentes são negociadas a um preço mais baixo do que nos países desenvolvidos porque os investidores pedem um desconto por correr mais riscos. Hoje está acontecendo o inverso. Essa tendência é sustentável?

É sustentável porque a história de crescimento econômico está na base desses mercados. Obviamente que temos que olhar mercado por mercado, mas no Brasil, em particular, as ações ainda têm uma avaliação razoável em relação a outros emergentes. O valor relativo das ações no Brasil ainda fornece oportunidades muito atrativas. O Brasil é um dos mercados mais atrativos entre os emergentes.

Qual a sua expectativa para a economia brasileira?

Nossa previsão é de 5% de crescimento. Pode diminuir um pouco o ritmo, mas ainda vemos num nível muito saudável. Igualmente vemos o crescimento global em 5%. Também pode cair um pouco desse nível, mas não muito.

Há muitas dúvidas no Brasil sobre a sustentabilidade desse movimento a longo prazo...

Vocês deveriam ter mais confiança em vocês mesmos. Sei das preocupações que vocês têm. Se você olhar os fundamentos econômicos, como as reservas internacionais, a redução da dependência do déficit externo e a situação fiscal verá o progresso que foi feito. Mas existem muitos brasileiros que experimentaram muitos ciclos econômicos e são mais cínicos. Teremos que levar um tempo para convencer as pessoas que esse crescimento brasileiro é sustentável.

Haverá recessão nos EUA?

Não há um economista que não veja um aumento de probabilidade de recessão. Mas não acreditamos que ela irá necessariamente ocorrer. Vi uma pesquisa recente com economistas, que apontava entre 30% e 35% de chances de recessão nos próximos 18 a 24 meses. Não é uma quantidade alarmante. O crescimento global está muito forte. O crescimento que estamos vendo nos mercados emergentes quase ironicamente pode ajudar a evitar uma recessão nos Estados Unidos.

Quem é: Paul Calello

Ocupou postos de comando do Credit Suisse em Nova York, Tóquio, Londres e Hong Kong.

Até o ano passado, era o principal executivo do banco na região da Ásia/Pacífico.

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