Título: Desperdício sem disfarce
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2007, Notas e Informações, p. A3
A Petrobrás, com um grande programa de investimentos nos próximos anos, poderá ficar fora do resultado oficial das contas públicas, anunciou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se isso ocorrer, a empresa poderá investir pesadamente e esse gasto não será computado no cálculo do superávit primário do governo, aquela economia realizada anualmente para o pagamento de juros. Um estudo sobre o assunto já foi encomendado à Secretaria do Tesouro, segundo o ministro. A idéia é boa e valeria a pena aplicá-la a outras empresas controladas pelo setor público. As estatais têm contribuído com seus lucros para engordar o resultado primário e, por isso, a adoção de um novo critério ainda é incerta. Mas, se a mudança for adotada, as contas do setor público ficarão mais claras e o governo central será forçado, para manter o resultado fiscal, a um controle maior de suas despesas. O País ganhará com a inovação.
Segundo a programação oficial, a Petrobrás deve contribuir neste ano com R$ 12 bilhões para o superávit primário. O conjunto das estatais, com R$ 18,1 bilhões. Se pelo menos aquelas com operações típicas de mercado forem dispensadas de contribuir diretamente para a meta fiscal, o governo terá de avaliar as próprias finanças com maior realismo. Nesse caso, as estatais só entrarão nas contas quando receberem dotação do Tesouro, pagarem dividendos e, naturalmente, recolherem tributos como qualquer contribuinte.
A inovação será positiva, no entanto, somente se o governo mantiver como objetivo um superávit primário suficiente para reduzir a relação entre a dívida pública líquida e o PIB. Para isso será preciso controlar de fato a expansão de seus gastos, principalmente daqueles menos produtivos. Mas a redução de despesas não parece estar no programa do segundo mandato. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou, há poucos dias, ser impossível administrar o Brasil com menor gasto público. O ministro da Fazenda e vários de seus colegas têm repetido esse discurso, como numa ladainha a favor da gastança.
Segundo Mantega, no entanto, não se trata de gastança. Em sua descrição do orçamento e da administração pública não se reconhece o desperdício. O governo, disse o ministro numa entrevista publicada domingo no Estado, apenas tira dinheiro de quem tem para entregar a quem não tem. Por isso, os maiores prejudicados serão os pobres, se o Congresso não renovar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), argumenta. Fiel ao exemplo do presidente da República, o ministro da Fazenda também toma os pobres como reféns para pressionar os parlamentares e impressionar a opinião pública a favor da renovação da CPMF.
Qualquer pessoa razoavelmente informada reconhece a falsidade e a fraqueza dessa argumentação. As despesas com pessoal e encargos sociais continuam crescendo em termos reais. No próximo ano, segundo projeção do orçamento, deverão corresponder a 4,76% do PIB. Essa proporção é menor que a de 2002 (4,93%), mas isso não é indício de austeridade. A folha tem crescido seguidamente em ritmo superior à inflação e isso é expansão real. O governo tem concedido aumentos ao funcionalismo e continua contratando pessoal. O ministro também apontou a redução do déficit da Previdência (de R$ 45 bilhões em 2007 para R$ 41,6 bilhões em 2008) como sinal de boa gestão no setor. Mas essa evolução, se confirmada, terá dependido principalmente do crescimento da economia - e não se mede o acerto de uma política apenas pelo resultado obtido em anos de prosperidade. Além do mais, esse déficit não parou de aumentar nos últimos dez anos, com ou sem crescimento econômico.
O governo precisa dos R$ 40 bilhões da CPMF não porque realize uma política do tipo Robin Hood, mas porque é incapaz de usar com eficiência e prudência o dinheiro público. Sem o auxílio das estatais lucrativas, o padrão da administração federal ficaria mais evidente para qualquer observador. Quem acompanha as ações do governo já sabe como o dinheiro vai para o ralo. Contratação de companheiros e aumentos generosos são apenas parte de um gigantesco esquema de esbanjamento. Benefícios de fato para os pobres são só uma pequena fração da grande conta imposta à sociedade brasileira.