Título: Chávez e as 8 regras da política moderna
Autor: Nossa, Leonencio; Monteiro, Tania
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2007, Internacional, p. A16

Por estreita margem, o presidente Hugo Chávez perdeu sua mais recente tentativa de levar adiante uma agenda socialista revolucionária. Seu país, rico em petróleo, que insiste em criticar os EUA, é um lugar instrutivo para compreendermos o mundo. Assim, a partir da Venezuela, podemos extrair oito regras da vida política moderna:

1ª - O comércio triunfa sobre a política. Mesmo com Chávez chamando o presidente Bush de ¿demônio¿, os laços comerciais entre Venezuela e EUA foram mantidos. É uma versão ocidental do que acontece entre China e Taiwan: inimigos políticos engajados em um próspero intercâmbio comercial.

O comércio bilateral entre EUA e Venezuela deve atingir US$ 74 bilhões este ano, um aumento em relação a 2006. As exportações venezuelanas para os EUA chegaram a US$ 27 bilhões (a maior parte é de petróleo) e as importações ficaram próximas de US$ 10 bilhões. Chávez ridiculariza os ¿ianques¿. No entanto, sem os EUA, não consegue ter a quantidade de carros e roupas suficientes para o seu ¿socialismo do século 21¿.

2ª - A globalização gera nacionalismo. Os fluxos financeiros globais e a tecnologia limitam o poder real dos políticos, que procuram compensar isso com bandeiras da esquerda, isto é, a identidade nacional. O mais recente discurso de Chávez, em uma campanha mal sucedida para transformar a Venezuela em um Estado de Constituição socialista, não disse nada sobre idéias, mas falou muito sobre ¿nosso real inimigo, o império americano¿, sobre anticolonialismo, sobre a glória bolivariana e sobre as ameaças da CIA (serviço de inteligência americano) e da CNN. A radicalização do discurso político importa mais do que seu conteúdo, como mostrou também a campanha presidencial nos EUA em 2004.

3ª - O petróleo centraliza o poder. O petróleo venezuelano tem um preço inferior ao de muitos outros porque seu refino é mais difícil. Chávez, contudo, ainda embolsa entre US$ 4 bilhões e US$ 6,7 bilhões por mês, dependendo de em quem você acredita. Dê a uma pessoa mais de US$ 100 milhões por dia e ela começará a delirar e a falar em governar o país até 2050, como Chávez.

¿A tendência do Estado rico em petróleo é centralizar-se, é petrificar e personalizar o poder¿, disse Margarita Lopez Maya, cientista política que durante longo tempo apoiou Chávez, mas que se decepcionou. Seja em Moscou, Luanda ou Caracas, esse tem sido o caso.

4ª - Redes anti-EUA chegaram para ficar. Chávez tem usado seus petrodólares para criar vínculos além dos que mantêm com seus camaradas em Cuba, Nicarágua e Bolívia. Reforçou os laços com o Irã, Rússia, China, Argentina, Equador e países do Caribe. Não importa que ele precise de três semanas para transportar o petróleo para a China e três dias para os EUA. Chávez quer apostar suas receitas do petróleo e a pseudo-revolução em um protagonismo antiamericano global. Moscou está vendendo armas para ele. Pequim está vendendo o que puder. E essa tendência vai continuar, mesmo depois de Bush. Os altos preços do petróleo deverão acentuar a erosão, em um longo prazo, do predomínio americano.

5ª - Ideologias agora são servidas ¿à la carte¿. Chávez faz causa comum com a Revolução Cubana. Ao mesmo tempo, também faz propaganda de Jesus Cristo, chamando-o de ¿primeiro revolucionário¿. É o bastante para rejeitar o comunismo como ópio do povo. O líder venezuelano fala muito sobre os direitos da mulher, mas o aborto continua proibido por lei. Da mesma maneira que o comunismo chinês pode ser capitalista e a democracia russa parecer leninista, o socialismo de inspiração cubana de Chávez pode ser católico. O que importa é preservar o poder.

6ª - A democracia é testada. Desde que assumiu o poder, há nove anos, Chávez convocou diversos referendos e eleições, embora nenhum tão apertado como o de domingo. Quando canais de TV de oposição são censurados, certidões de nascimento e carteiras de identidade são compradas por algumas centenas de dólares, quando dezenas de bilhões de dólares desaparecem do orçamento nacional, quando o judiciário é subserviente e a corrupção é meio de vida, a democracia é desafiada. O fato de Chávez admitir a derrota é tranqüilizante, mas sua disposição para criar uma sociedade responsável e aberta ainda é discutível.

7ª - As utopias vivem. As décadas de rejeição dos pobres da Venezuela pelas elites governamentais abriram o caminho para a ¿revolução¿ de Chávez, com a promessa de cooperativas socialistas, melhor atendimento médico, mais educação e ¿ poder popular¿. Em algumas áreas, particularmente as da saúde e educação, Chávez cumpriu o que prometeu. Entretanto, ¿El Comandante¿ também tentou ampliar seu sistema de domínio para sua maior glória. Favoreceu seus camaradas capitalistas em uma pretensa economia com preços tabelados, controle de taxas de câmbio e subsídios insustentáveis. Quando ocorrer o colapso, os pobres sofrerão e não terão a quem recorrer. A sede de ilusão utópica, porém, parece não ter sido eliminada pela catástrofe do século 20. Além disso, o apetite por um anti-Bush é tão voraz que a combinação Chávez-Che, ainda que vazia, encontra adeptos.

8ª - A TV triunfa sobre tudo. Nos bares de Caracas, as pessoas assistem aos jogos de basquete da NBA e ao seu amado beisebol. Johan Santana, brilhante lançador venezuelano, que aparentemente deve transferir-se para os Yankees, de Nova York, é um herói nacional. Na embaixada dos EUA, os que querem um visto precisam esperar até abril para a entrevista. Os vôos para os EUA ou provenientes dos EUA estão sempre lotados. As lojas estão cheias de produtos americanos. É improvável que Chávez possa atrasar o relógio o suficiente para mudar isso.

* Roger Cohen escreveu esse artigo para The New York Times