Título: Trabalho e emprego na agricultura
Autor: Buainain, Antonio Marcio
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2007, Economia, p. B2

Nas últimas décadas o meio rural brasileiro passou por significativas transformações, muitas das quais em curso e com contornos ainda indefinidos. A agricultura brasileira mudou, pode-se dizer radicalmente, sob o impulso de novas tecnologias e do contexto institucional que se vem consolidando desde os anos 90, marcado pela democratização, abertura comercial, estabilização monetária, pressões sociais e maior peso da sociedade civil na dinâmica e nas decisões econômicas, etc. Essas transformações têm impacto profundo no mercado de trabalho rural e vêm modificando tanto o potencial de geração de novas oportunidades quanto a estrutura ocupacional, o perfil dos trabalhadores, as relações entre os próprios trabalhadores e entre o capital e o trabalho.

O agronegócio brasileiro enfrenta hoje enormes oportunidades e desafios. Ao lado da necessidade de dotar o País de infra-estrutura, logística, sistemas de vigilância sanitária, destacam-se os seguintes desafios: 1) de acompanhar o ritmo de inovação tecnológica; 2) de continuar crescendo com respeito ao meio ambiente e, principalmente, preservando a biodiversidade, recurso estratégico do País e para a humanidade; 3) de incluir os milhares de agricultores familiares nos circuitos dinâmicos de geração de riqueza; e 4) de modernização das relações de trabalho.

Apesar da urbanização, a agropecuária responde por um conjunto importante de atividades, o meio rural abriga uma população expressiva e milhões de trabalhadores vivem de empregos gerados diretamente pela agropecuária. O desafio aqui é o de assegurar os direitos e dar proteção aos trabalhadores rurais sem introduzir um viés contra o trabalho que reduziria a própria geração de empregos no meio rural. Não se trata de uma equação de fácil solução, em particular por causa da tradição de estender ao meio rural mecanismos de regulação típicos da realidade urbana, sem levar em conta as especificidades da atividade agropecuária.

No contexto atual, as relações e condições de trabalho adquirem uma renovada importância. De um lado, o estágio de evolução da sociedade brasileira já não permite a convivência com relações de exploração que não correspondem ao próprio marco institucional em vigor no Brasil, a começar pela Constituição Federal, que define os direitos e deveres básicos dos cidadãos. De outro lado, as relações e condições de trabalho são condicionantes da competitividade e sustentabilidade da agricultura brasileira. O uso insustentável de recursos naturais e a superexploração da mão-de-obra barata e sem direitos já não conseguem assegurar a competitividade do País, como se observava no passado recente com a chamada competitividade espúria. Ao contrário, cada vez mais os consumidores e a sociedade civil organizada exigem respeito ao meio ambiente e, principalmente, a valorização do homem no processo de produção.

A agricultura e o meio rural sempre foram o espaço da mão-de-obra desqualificada, do trabalho braçal e mal pago, e a produtividade do trabalho estava mais associada à mecanização, sementes e insumos que ao capital humano propriamente dito. Isto começa a mudar e cada vez mais a rentabilidade da agropecuária está associada às habilidades do trabalhador, seja a formação do gerente de produção seja habilidade e cuidado na colheita, manual ou mecânica. O peão de uma fazenda de nível médio já não tange boi ¿tucura¿, mas um nelore de valor médio, que precisa ser vacinado e tratado e cuja perda causa prejuízo; o operador de máquina pilota um capital razoável, que não foi adquirido com subsídios e que tem custo de manutenção elevado. A decisão da dose de químicos pode ser a diferença entre lucro e prejuízo. Em muitas áreas os produtores já reportam escassez de mão-de-obra qualificada, prejudicando a expansão.

É inegável que a grande maioria dos agricultores, mesmo enfrentando uma legislação que está longe de ser adequada, vem rapidamente se adequando às novas exigências legais e institucionais no que se refere aos trabalhadores permanentes e temporários. Mas ainda assim a sociedade toma conhecimento da ocorrência de casos de trabalho humilhante, totalmente à margem da civilidade, que não deveriam existir nem como exceção, e que contribuem para denegrir a imagem do conjunto dos agricultores e do agronegócio em geral. É por isso que os produtores e suas associações deveriam juntar-se aos fiscais do trabalho para zelar e para impedir tais abusos que comprometem a todos.

*Antônio Márcio Buainain é professor assistente doutor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br