Título: Chávez, mercados futuros e externalidades
Autor: Barros, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

A Venezuela tem o hábito dos pobres que ganham a Mega-Sena. Estudo sobre os ganhadores da loteria de Nova York mostrou que eles, normalmente, depois de três ou quatro anos, estão pior do que antes. Fascinados pelos zeros no valor, gastam sem nenhum critério. O dinheiro parece não ter fim. Reinvestimento, nada. Parentes desconhecidos aparecem do nada, querendo seu quinhão. Quase todos saem com um naco. A conta bancária vai minguando até que não sobre nada, só frustração e pobreza.

A Venezuela fez isso na década de 1970: gastou o que podia e o que não podia. Investimento, quase nenhum. Distribuição de renda, tampouco.

Criou bolsas de estudo que eram uma maravilha. Praticamente qualquer estudante venezuelano que quisesse fazer pós-graduação no exterior conseguia uma ¿bolsa de rico.¿ Os estudantes aprenderam o mau hábito: a bonança não teria fim. Com US$ 5 mil, nos anos 70, em Paris, Londres ou Nova York, a vida era uma festa. Depois, ressaca e pobreza.

Quase nada sobrou desse programa. A maioria dos estudantes venezuelanos dessa época viveu à tripa forra. Pouco estudaram. Menos concluíram seus mestrados e doutorados.

Hugo Chávez não é original. Repete os seus antecessores sem inovação, apenas com mais fanfarra. Mas há uma diferença. Chávez descobriu os mercados futuros como adolescentes descobrem o sexo: excitante, delicioso e infindável.

Chávez também passou a gastar com mimos. Aos ¿primos pobres¿ de Londres e Nova Jersey deu combustível e aquecimento mais baratos, por conta dos venezuelanos. O Eldorado dos futuros permite usufruir ganhos que ainda não existem. São apenas possibilidades, baseados na expectativa dos preços do petróleo. Chávez perdeu os limites.

Para quem não está familiarizado, mercados futuros são os mais confiáveis previsores do futuro. Quem tem uma opinião a respeito do preço futuro de algum bem aposta num mercado futuro e tem de pagar se a aposta não der certo. São muito mais confiáveis do que pesquisas de opinião, nas quais o respondente pode dizer o que quiser, sem nenhum custo ou conseqüência.

Nos mercados futuros é assim: se alguém acredita que o barril de petróleo vai custar US$ 140 daqui a um ano, compromete-se, no mercado futuro, a comprar ou a vender xis barris de petróleo numa data específica, daqui a um ano, por US$ 140. Se o preço baixar, quem se comprometeu a pagar US$ 140 sai perdendo, porque tem de cumprir o contratado e pagar os US$ 140, mesmo que o petróleo tenha baixado para US$ 120.

Se o petróleo estiver custando mais que US$ 140, quem se comprometeu a vender é que sai perdendo, porque terá de fornecer a quantidade acordada e receberá só os US$ 140 combinados, mesmo que o petróleo esteja custando US$ 180.

Os mercados futuros, agora, estão indicando que o petróleo deverá estar em torno de 31% mais caro daqui a um ano. Trocado em miúdos, isso quer dizer que, sem descobrir nenhum petróleo novo, nem aumentar a produtividade nacional, a Venezuela deverá estar um terço mais rica daqui a um ano.

Então, por que não gastar? Porque os mercados futuros são medrosos.

Se o humor dos traders mudar, o preço futuro pode despencar - a maioria dos analistas acha que o preço do petróleo não vai baixar, mas há uma diferença entre analistas e participantes do mercado futuro: analistas dão palpites que não lhes custam nada; investidores futuros podem ganhar ou perder muito se o mercado virar.

E um mercado virar é muito parecido com um incêndio em cinema: quem primeiro sente o cheiro da fumaça sai de fininho, vende suas posições e embolsa o lucro, ou, pelo menos, recupera o investimento. Quando começam algumas labaredas, quem as vê sai rápido, mas discretamente, para tentar não perder nada e, sobretudo, para não provocar uma fuga em massa. Quando alguém grita ¿fogo!¿, correm todos para a porta. Mas ela é sempre muito estreita e morrem muitos, sufocados, queimados ou pisoteados.

Sobrarão os brinquedos: armas, aviões caros e uma Constituição que Chávez ainda pode mudar por decreto, como anunciou depois da vitória do ¿não¿, e, se assim for, vai dar um imenso trabalho para ser revertida, provavelmente, com a perda de muitas vidas. Os investimentos internacionais de Chávez não são rentáveis. Compram prestígio e boa vontade de governantes parecidos com ele.

Como os gastos dos anos 70, terá sido muito foguete para pouca festa. A carruagem será apenas uma abóbora, os cavalos voltarão a ser ratinhos e o vestido de festa será um amontoado de trapos. Não sobrará nada para a Venezuela, nem para os venezuelanos, até à próxima alta do petróleo, que ninguém sabe quando ocorrerá.

Entre os intangíveis, uma dezena de países terão de reformular políticas externas. Quem tiver mudado estratégias militares para enfrentar a Venezuela chavista, estará encalhado com arsenais desnecessários para a guerra ¿que não houve¿. Militares são pagos não para ouvir o que seus governantes dizem, mas para se prepararem para eventuais ataques. E militares de vários países vizinhos estão excitados, seja por medo de Chávez, seja para usufruir as doações do ¿primo rico.¿

É sempre bom lembrar que Chávez passa, cedo ou tarde. Mas a Venezuela fica e os vizinhos terão de conviver com ela.

Armados para combater um Chávez verbalmente incontinente, mas que já estará fora do poder, militares sem inimigo à vista poderão ter fortes tentações de intervir na política de seus países. Seria a volta de um hábito que vem sendo extirpado da política dos países latino-americanos, mas que pode ser revertido rapidamente. O controle civil ainda não é suficientemente forte para que não corramos risco.

Esta será uma externalidade de Chávez nada desejável e da qual não precisamos.

Alexandre Barros, cientista político, é pró-reitor do Centro Universitário Unieuro (Brasília)