Título: Peemedebista ainda tem de enfrentar inquérito no STF
Autor: Scarance, Guiherme
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2007, Nacional, p. A8

A pedido da Procuradoria-Geral da República sigilo também foi quebrado; senador já escapou de três representações, mas é alvo de outras três

No jogo habilidoso em que entregou o comando do Congresso, mas salvou o mandato, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) deixou ontem para trás a terceira denúncia, considerada uma das mais contundentes. Restam, porém, mais três representações pela frente e, principalmente, o inquérito policial número 2.593, que o Supremo Tribunal Federal (STF) instaurou em agosto, a pedido do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Seu sigilo bancário e fiscal dos últimos 7 anos já foi aberto.

O inquérito, que corre em segredo de Justiça, visa a apurar se o parlamentar tinha renda suficiente para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso - com quem teve uma filha fora do casamento - ou se recebeu ajuda de um lobista da Mendes Júnior. A mesma denúncia, no âmbito político, foi arquivada pelo Senado há três meses.

Perícias da Polícia Federal, porém, levantaram suspeitas sobre o patrimônio do peemedebista. O relator do caso no STF, Ricardo Lewandowski, enviou no final de setembro o resultado de todas as diligências a Souza, a quem caberá decidir se encaminha denúncia contra Renan.

Já no Conselho de Ética, os dois próximos casos patinam. A próxima denúncia da fila foi feita pelo advogado Bruno Lins, ex-marido de uma assessora de Renan, e diz respeito a suposta arrecadação em ministérios do PMDB. Ele acusou o ex-sogro, Luiz Garcia Coelho, de chefiar o esquema, a mando do senador.

O relator, Almeida Lima (PMDB-SE), aliado de primeira hora de Renan, encaminhou seu parecer na quinta-feira, sem alarde, recomendando arquivamento sumário do caso. Em campanha pela presidência do Senado, o presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), pode optar por arquivar o processo sem consultar os outros colegas.

Até agora, Quintanilha também não nomeou um relator para o processo em que Renan é acusado de usar um funcionário do gabinete, Francisco Escórcio, para espionar os senadores Demóstenes Torres (DEM) e Marconi Perillo (PSDB). Escórcio tentou filmar os adversários do chefe em um hangar de Goiânia, mas foi descoberto.

Resta, por fim, a sexta representação. Segundo revelou o Estado, no dia 14 de outubro, o parlamentar apresentou uma emenda ao Orçamento da União repassando R$ 280 mil para uma empresa fantasma, a KSI Consultoria e Construções, do seu ex-assessor José Albino Gonçalves de Freitas. O dinheiro deveria ter sido usado na construção de 28 casas em Murici, cidade do clã Calheiros.

Apesar dos vários indícios levantados, a Mesa Diretora suspendeu o envio da acusação ao Conselho de Ética. Ou seja, o caso está parado. O presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), alegou que o envio da representação sobrecarregaria o colegiado e atrasaria os julgamentos. ¿É preciso que tenhamos um mínimo de consideração com o andamento e julgamento dos processos¿, afirmou.

SCHINCARIOL

Se restam três representações à frente, outras três Renan já superou. Os escândalos começaram no dia 25 de maio, quando a revista Veja revelou que o cacique alagoano teve contas pessoais quitadas pelo lobista da Mendes Júnior. Neste caso, o parlamentar foi inocentado pelo plenário, em sessão e votação secretas, no dia 12 de setembro. Passado o burburinho, a jornalista Mônica, pivô do caso, calou-se sobre política, exibiu a nudez na revista Playboy e, recentemente, lançou um livro.

A segunda denúncia, que veio à tona em 8 de julho, foi arquivada já no Conselho de Ética. Nela, Renan foi acusado de interferir junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à Receita Federal para favorecer a cervejaria Schincariol.

A empresa havia comprado, a preço considerado muito acima do valor de mercado, uma fábrica de refrigerantes da família Calheiros em Alagoas. O irmão de Renan, deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), foi absolvido na Câmara pela mesma acusação. A terceira representação, de uso de laranjas para compra de rádios, foi defenestrada no julgamento de ontem.

Resta uma última pendência. Os indícios de espionagem de adversários do cacique podem se reverter em uma sétima denúncia. No sábado passado, a Veja revelou que Renan teria mobilizado a Polícia Legislativa - e esta teria recorrido a dois escritórios de detetives - para investigar se Perillo era sócio oculto de empresas instaladas em Goiás à época em que governava o Estado. Até mesmo o sigilo teria sido violado. Por ora, nenhum partido apresentou denúncia.

Marcos Palmeira Ator

¿É lamentável todo esse episódio. Demonstra o corporativismo do Senado e do Congresso, que sempre tomam decisões contrárias à vontade popular. O que conta é o interesse deles, em detrimento do que pensa a população¿

Bárbara Paz Atriz

¿É uma vergonha nacional. A absolvição de Renan é um retrato do que está acontecendo no Brasil, onde continuamos como marionete dos governos¿

Luiz Flávio Gomes Advogado e ex-juiz

¿A não-cassação demonstra que o poder político está, como quase sempre, pouco preocupado com a ética. Adota critérios particulares e não convence a população. O resultado é muito ruim para a democracia brasileira¿

Mayana Zatz Geneticista da USP

¿Eu acho que ele deveria ser julgado como todo cidadão, sem direitos especiais e acordos. Quem tem uma posição política tem ainda mais responsabilidade de ser julgado como todos os cidadãos¿

Rubens Figueiredo Cientista político

¿O Senado provou que é uma confraria. Ao invés de representar a sociedade age frontalmente contra ela. A renúncia de Renan foi o seu único ato de sensatez nos últimos tempos, mas não levou a instituição à sensatez¿

Maria Aparecida Aquino Historiadora da USP

¿O levantamento todo é do Congresso. E o Congresso aceitar uma negociação dessa espécie é ruim para a política brasileira. O Renan quer defender seu mandato, mas para o Congresso é que fica negativo¿

Walter Nunes da Silva Presidente da Associação dos Juízes Federais

¿Agora é preciso que o Senado cumpra o compromisso para com a sociedade de pautar as questões mais urgentes que precisam ser aprovadas¿

Renata Fan Apresentadora

¿É o reflexo da política brasileira. Nem o presidente, que sempre se guiou por uma ideologia, consegue se livrar de acordos e concessões absurdas. Eles sempre estão comprometidos com algo mais¿

Dan Stulbach Ator

¿É uma situação corretíssima. No fundo, os senadores estão dizendo que o Renan não foi cassado porque é um deles, é igual a eles, portanto não merece punição. O povo é que sofre com esse tipo de atitude¿

Hortência Ex-jogadora de basquete

¿Se errou, deve pagar pelo erro. Se burlou a lei, deve ser punido. Não dá para negociar esse tipo de coisa. Já viu algum jogador negociar com o juiz para voltar atrás em um pênalti? Só quando um sheik entra em campo¿

Denise Fraga Atriz

¿Para mim já passou da fase da indignação. Estou até preocupada com a falta de vontade que tenho de ler sobre a política. Esse caso Renan é mais um dos casos. Me sinto ultrajada¿

Cezar Britto Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil

¿Os requisitos éticos exigidos para ser presidente do Senado são os mesmos atribuídos a qualquer senador. Quem não serve para um não serve para outro¿

Jaguar Cartunista

¿Foi uma manobra do mesmo nível de tudo o que ele fez até agora, repulsiva. Ele está certo de que faz todos os seus colegas de trabalho de idiotas. É um negócio de cartas marcadas, e o eleitorado deve ficar esperto¿

José Carlos Cosenzo Presidente do Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público

¿Ainda que politicamente a manobra possa ser legítima, moralmente é algo inaceitável. É uma derrota para a sociedade¿