Título: Cunha Lima será julgado na Paraíba
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2007, Nacional, p. A13

Acusado de tentativa de homicídio, ex-deputado deixou Câmara para atrasar julgamento do caso

Ao renunciar cinco dias antes de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 31 de outubro, o ex-deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) conseguiu atrasar em anos seu julgamento pela tentativa de matar o ex-governador da Paraíba Tarcísio Burity, em 1993. Por 7 votos a 4, os ministros decidiram ontem que, depois da renúncia e, portanto, sem foro privilegiado, Cunha Lima deve ser julgado pelo Tribunal do Júri da Paraíba. Com isso, o caso que tramita na Justiça há mais de uma década e que estava no STF desde 2002 pode demorar mais dez anos para ser concluído, pelos cálculos do ministro Joaquim Barbosa, relator da ação.

O resultado deve ajudar o ex-deputado a se livrar do processo, pois o crime prescreve em 2012. Como a ação será remetida para a primeira instância, seus advogados podem protelar por anos a decisão com recursos e manobras para que o caso seja depois remetido para o Tribunal de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, novamente, para o Supremo.

A viúva de Burity (morto em 2003 vítima de falência múltipla dos órgãos e parada cardiocirculatória), Glauce, que acompanhou o julgamento, mostrou-se descrente e temerosa de que Cunha Lima não seja punido. ¿Se passaram 14 anos até agora, acha que vão julgar em quatro anos? Eu não acredito¿, protestou. ¿Ele passou 14 anos ludibriando a Justiça. Agora, quando sabia que ia ser julgado, renunciou para ser julgado pelo Tribunal do Júri. É uma palhaçada.¿

Além de Barbosa, os ministros que votaram contra Cunha Lima, para que a ação continuasse no STF, foram Cezar Peluso, Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto. Para eles, houve abuso de direito na tentativa de fugir do julgamento. ¿O ato de renúncia seria legítimo em momento processual anterior. Com esse gesto, às vésperas do julgamento, se consumou a manobra processual¿, observou Barbosa. ¿A prerrogativa de foro não pode ser exercida como privilégio, muito menos quando e como se desejar¿, argumentou Cármen Lúcia.

Votaram em favor do acusado os ministros Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Celso de Melo e Gilmar Mendes. Para eles, o STF só poderia julgá-lo se ele voltasse à Câmara.

O resultado do julgamento da ação contra Cunha Lima é sintoma do agravamento dos conflitos no STF. Na primeira parte da votação, ministros acusaram Barbosa de julgar passionalmente casos polêmicos e se guiar pela opinião pública. Então, o ministro relator omitira dos outros integrantes da corte que Cunha Lima já pedira, em setembro, que seu caso fosse julgado pelo TJ da Paraíba e não pelo STF. Ou seja, a manobra evasiva não teria ficado claramente caracterizada.

IRONIA

A decisão de ontem, ponderou Peluso, pode servir de exemplo para os 40 mensaleiros que respondem a ação no Supremo Tribuna Federal. Segundo o ministro, bastaria que os réus com foro privilegiado, como os deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP), renunciassem ao mandato para atrasar em anos a conclusão do processo.

¿Um processo de 40 réus é penoso para qualquer juiz, ainda mais para esta corte. Depois que o tribunal tiver exaurido suas forças nesta causa em dois, três ou quatro anos, podem repetir este ato¿, afirmou. E ironizou: ¿Só para ler, o crime já teria prescrito.¿ O mesmo valeria para o mensalão mineiro. Só o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) tem direito a foro e, portanto, deve ser julgado pelo STF. Se renunciar, os outros 14 denunciados seriam beneficiados com o atraso do processo.