Título: Avanços no processo penal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2007, Notas e Informações, p. A3

A morosidade é o maior defeito da Justiça brasileira, que, na era dos jatos, continua andando a cavalo, e são as filigranas processuais, que burocratizam ao extremo o exercício da tutela jurisdicional do Estado, a causa maior dessa morosidade. No campo criminal, certos procedimentos permitidos, pretensamente para assegurar o direito de defesa, no mais das vezes servem apenas para retardar os processos e facilitar a impunidade. Eis por que só trazem alento as novas medidas, aprovadas no Senado - dependem ainda de aprovação na Câmara dos Deputados -, que modificam algumas regras do processo penal, visando a evitar, ou ao menos a diminuir, as manobras procrastinatórias que distanciam dos cidadãos as decisões da Justiça.

Um dos projetos de lei altera procedimentos nos julgamentos pelo tribunal do júri, além de acabar com o sistema que torna automática a realização de um novo júri nos casos de condenações acima de 20 anos. Como disse o relator do projeto, senador Demóstenes Torres (DEM-GO): ¿Isso tem feito com que os juízes reduzam a pena de crimes bárbaros, terríveis, para não serem obrigados a atender a um tipo de recurso irracional.¿ De fato, é extremamente irracional eliminar a decisão tomada em um julgamento sem qualquer vício, só porque este resultou em condenação de um réu culpado, de acordo com o rigor da lei. E por que um segundo julgamento há de ser, necessariamente, mais justo do que o primeiro? Com a alteração, um novo júri só será formado em caso de anulação de provas, inclusão de nova testemunha e alegação de vícios no primeiro julgamento, tais como na composição do corpo de jurados.

Outro projeto - com relatoria da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) - reduz para uma única audiência as tomadas de depoimentos entre acusação e defesa, em casos de extorsão, roubo, furto e outros. Hoje há a necessidade de pelo menos três audiências - uma para ouvir o réu, outra para ouvir as testemunhas de acusação e outra para ouvir as testemunhas de defesa. Com a mudança, tais procedimentos serão feitos em uma única audiência. Também os depoentes poderão ser questionados diretamente pelos advogados e promotores - sem a intermediação do juiz -, assim como as alegações e sentenças dispensarão a forma escrita (um ranço bacharelesco de nossas vetustas ordenações), realizando-se pela via da oralidade, como é prática mais comum nos tribunais das Democracias contemporâneas. Esse mesmo projeto de lei cria a chamada ¿absolvição sumária¿, a ser obtida pela apresentação de uma defesa prévia do acusado, antes de o juiz receber, formalmente, a acusação. Assim, se o juiz, no início ou no meio do processo, deparar com uma prova robusta, que o convença da inocência do réu, não precisará esperar todo o desenrolar do trâmite processual para proferir sua sentença absolutória.

Um terceiro projeto estende prerrogativa contida na Lei Maria da Penha - que trata da proteção de mulheres vítimas de violência domestica e/ou familiar - às demais vítimas de outros crimes com emprego de violência. Essa prerrogativa consiste em a vítima ser informada, pela Justiça, da situação do criminoso quanto ao cumprimento de sua pena. Pelo óbvio motivo de precisar proteger-se contra eventuais tentativas de vingança, a vítima tem que saber se seu agressor recebeu algum benefício: liberdade condicional, transferência de presídio, indulto ou outro tipo de alteração em seu estado prisional.

Claro está que essas mudanças, se bem que muito oportunas, longe estão de esgotar todo o cipoal de procedimentos, recursos e formalismos que tornam o nosso Judiciário tão moroso quanto custoso para os cidadãos que dele dependem ou a ele recorrem. No Brasil há casos emblemáticos - e escandalosos - de autores confessos de crimes hediondos, já condenados, mas que desfrutam de plena liberdade, por anos a fio, graças à abundância recursal que joga às calendas, se não às traças, pela via da prescrição, os efeitos das sentenças condenatórias, com isso reforçando a crônica impunidade reinante. Decerto a opinião pública jamais deixará de cobrar a modernização desse obsoleto sistema - e as mudanças aqui comentadas apontam nessa direção.