Título: Gasta porque arrecada...
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2007, Economia, p. B2

O governo federal gasta muito porque arrecada muito ou, ao contrário, arrecada muito porque gasta muito?

Depende do momento.

No de hoje, o governo Lula eleva seus gastos e seus planos de gasto futuro, tendo abandonado as conversas sobre redução de despesas, porque está nadando em dinheiro. Aliás, também deixou de lado o discurso sobre redução da carga tributária.

Basta dar uma olhada nas páginas do site do Ministério da Fazenda. Há duas teses centrais. A primeira sustenta que não há aumento descontrolado e/ou generalizado de gastos. Martelam-se os números para demonstrar que sobem apenas os gastos (investimentos, diria Lula) nos programas sociais. Logo, é bom, conclui-se.

Aí vem a Secretaria da Receita Federal para garantir que não há aumento da carga tributária. Simplesmente, a arrecadação cresce porque a economia está crescendo. E isso é bom, completa.

Estariam com a razão?

A resposta é não.

A receita, por exemplo. Diz o governo que está tudo bem porque não houve aumento de alíquotas de impostos. Simplesmente, a economia cresce, as pessoas e as empresas ganham mais dinheiro, compram mais coisas, tomam mais crédito - e, como se paga imposto sobre tudo isso, a arrecadação aumenta. Isso é óbvio, não é mesmo? Logo, esse não pode ser o ponto correto a examinar. A questão é outra.

Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o Produto Interno Bbruto (PIB) cresceu 1,1%, resultado pífio, abaixo da taxa de crescimento da população, de modo que o País ficou mais pobre. Entretanto, a receita do governo federal subiu 2%, em termos reais. No melhor ano da era Lula, 2004, o PIB aumentou 5,4%. A arrecadação de impostos, quase 10%. Neste ano, quando se prevê um PIB de 4,7%, a receita está crescendo a 10%, sempre em termos reais, descontada a inflação.

Ou seja, qualquer que seja a expansão da economia, a receita sobe o dobro. Isso é conseqüência de um sistema tributário - e de aumentos de alíquotas anteriores, no início do governo Lula, fazendo efeito agora - que leva sempre ao aumento da carga tributária.

Assim, as receitas do governo federal devem chegar ao final deste ano somando o equivalente a 24% do PIB, 3,5 pontos acima do que eram em 2003. Aplicando isso sobre os R$ 2,6 trilhões a que deve chegar o PIB deste ano, temos nada menos que R$ 91 bilhões. Quer dizer, se a carga tributária fosse a mesma de 2003, as pessoas e as empresas pagariam hoje R$ 91 bilhões a menos em seus impostos. É muito dinheiro, quase a totalidade da folha salarial do governo federal.

Por isso não faz sentido a outra argumentação do governo Lula - a de que só aumentam os gastos bons, no social. Mesmo que isso fosse inteiramente verdade, não seria uma boa tese. O fato de uma despesa ser bem-intencionada não a torna gratuita.

Aliás, as boas intenções do governo costumam ser caríssimas. E precisam ser financiadas com impostos. Assim, o que o governo Lula está nos dizendo é que vai continuar gastando, não importa para onde vá a carga tributária necessária para pagar isso tudo. E a 35% do PIB, o Brasil já é campeão entre os emergentes. Sem contar que os procedimentos fiscais brasileiros - tudo aquilo que as empresas precisam fazer para cumprir suas obrigações - ganharam do Banco Mundial o título de pior burocracia do mundo.

Em resumo, o governo Lula aumentou alíquotas no início e se aproveitou da máquina arrecadadora montada no governo FHC - outra coisa que Lula copiou inteiramente! - para turbinar a receita, já que a economia crescia pouco. Quando esta deslanchou, o presidente jogou no lixo qualquer conversa sobre controle de gastos - conversa que era vendida pelo então ministro Palocci - e elevou gastos.

O que acontecerá se houver uma desaceleração econômica? O pior dos mundos, pois a arrecadação, embora continue crescendo mais que o PIB, vai cair em relação à bonança de hoje. Mas os gastos, na maior parte, não caem. Assim, o governo vai precisar de mais receita num momento de retração da economia.

Essa é outra armadilha que Lula está deixando por aí. Tão perigosa quanto a falta de investimentos em infra-estrutura.

Desemprego e falta de mão-de-obra - A geração de empregos vai razoavelmente bem. Pelos dados do IBGE, na comparação mês com o mesmo mês do ano anterior, o número de pessoas trabalhando tem aumentado entre 2,5% e 3% - e isso há quase dois anos.

Já a renda real média e a massa real de rendimentos (o total dos vencimentos pagos) estão desacelerando.

De outubro do ano passado até maio último, a renda real média (total dos rendimentos pagos dividido pelo número de pessoas trabalhando, descontada a inflação) vinha crescendo perto de 5% ao ano. Desacelerou - e agora cresce na base de 1,5% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Com a massa real de rendimentos aconteceu a mesma coisa. Crescia na média de 8% ao ano e agora se expande a 4%.

Duas explicações:

A inflação acelerou, especialmente o preço dos alimentos;

a geração de empregos de salário menor, como nos setores de construção civil e serviço doméstico.

Outro dado importante do mercado de trabalho: há falta de mão-de-obra qualificada em diversos setores. Faltam engenheiros civis, por exemplo. Faltam mesmo vendedores em lojas especializadas, que exigem, por exemplo, bom conhecimento na utilização de programas de computadores. O velho problema da educação de má qualidade e mal calibrada.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Site: www.sardenberg.com.br

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