Título: Crises ofuscam breve brilho de Brown
Autor: Lyall , Sarah
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2007, Internacional, p. A1A

Depois de rápida lua-de-mel, popularidade do primeiro-ministro britânico desaba em meio a série de escândalos

Quando assumiu o cargo, em junho, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, apresentou-se como o anti-Tony Blair: insosso, mas capaz; austero, mas digno de confiança. A idéia era a de que ele seria uma explosão de honestidade escocesa depois de um período não muito transparente e um tanto dissimulado, como ficou caracterizado o governo de Blair.

É difícil dissociar-se completamente de alguém para quem se trabalhou durante uma década, como foi o caso de Brown em relação a Blair. Mas, de início, o novo premiê parecia ter-se saído bem.

Ante uma sucessão de crises, incluindo um ataque terrorista frustrado e uma série de inundações que atingiram o país, ele respondeu com uma habilidade e segurança inesperadas, irradiando a recém-encontrada dignidade de primeiro-ministro.

Mas alguns meses podem ser uma eternidade no âmbito da política britânica, na qual a percepção é tão importante quanto a realidade. A partir dessa breve lua-de-mel, o governo Brown teve pouco tempo para governar, e foi de desastre em desastre. Agora, com cerca de 10 pontos atrás da oposição conservadora, depois de estar na liderança em setembro, o governo de Brown sofreu um revés, que ¿deve ser classificado como uma das maravilhas da política moderna¿, escreveu Brian Wilson, ex-ministro de Blair, no Sunday Telegraph.

O mandato de Brown ainda está no começo. Ele não é obrigado a convocar uma eleição geral até 2010. Mas há rumores de que ele tem sido tão atacado, que seu governo começa a se assemelhar ao de John Major (1990-1997) nos seus anos finais, ferido mortalmente por má administração e escândalos.

Brown, que lidera o Partido Trabalhista, certamente não tem tido sorte com o número e a imprevisibilidade das crises que atingiram seu governo. A primeira delas foi o quase colapso do Banco Northern Rock - um importante banco hipotecário que foi salvo pelos mais de US$47 bilhões em empréstimos do Banco da Inglaterra. Depois, a perda humilhante, pela agência fiscal do governo, de dois disquetes com detalhes de contas bancárias e endereços de 25 milhões de pessoas. Finalmente, a revelação, no mês passado, que o Partido Trabalhista aceitou US$ 1,2 milhão de um empresário do setor imobiliário que tinha usado ilegalmente nomes de outras pessoas ao fazer as doações.

O premiê tentou considerar esses casos como uma série de eventos infelizes fora do seu controle. Mas seja qual for a causa, existe uma percepção de que suas respostas têm sido desastradas e ineficientes, refletindo falhas de caráter shakespearianas - arrogância melancólica e mentalidade tacanha - que, segundo seus detratores pró-Blair, seriam a sua ruína.

Até agora Brown não conseguiu fazer o que se propunha, ou seja, provar que seria um premiê melhor do que Blair.

O que piora o problema é que, ao abordar dois de seus mais recentes problemas, Brown permitiu-se ficar vulnerável às acusações de que seu governo é propenso a cometer os mesmos erros que Blair cometeu.

Por exemplo, em setembro, quando estava em alta nas pesquisas de opinião, Brown incentivou a especulação de que poderia convocar um eleição geral antecipada. Mas depois que sondagens mostraram uma queda na sua aprovação e ele decidiu contra a eleição, aumentando o que pareceu ser uma atitude evasiva no estilo Hamlet. Mais um exemplo do marketing descuidado do Partido Trabalhista, disseram os jornais.

A crise mais recente, sobre o financiamento do partido, também traz à memória um momento ruim da era Blair, quando o Partido Trabalhista foi acusado de receber ilegalmente dinheiro de doadores em troca de assentos na Câmara dos Lordes. Embora não tenham sido impetradas ações judiciais, o caso lançou sobre o partido a reputação de ter táticas políticas hipócritas e levantamento de fundos duvidoso. Brown deveria acabar com tudo isso.

Mas seu governo parece assumir a mesma abordagem arrogante no trato com a imprensa que encrencou seu predecessor. O partido está enredado, apontando culpados e lançando a culpa sobre outros, enquanto Brown faz o seu melhor para estancar os danos e parecer no comando da situação.

Mas não está funcionando, em parte porque, diferentemente de Blair, Brown detesta a briga de facas do debate parlamentar. Enquanto Blair conseguia fingir uma jovial despreocupação quando atacado, Brown simplesmente se torna petulante, irascível e fica na defensiva.

Ainda há tempo para Brown tirar a si mesmo do buraco. Mas, ao menos por enquanto, seus detratores estão desfrutando do prazer de atacá-lo o máximo possível. ¿Lembro-me com tristeza do estranho paradoxo do crepúsculo de John Major - ausência de poder combinado com soberba¿, escreveu recentemente Matthew D¿Ancona, o editor de The Spectator. ¿O cheiro da morte, talvez de uma morte lenta, é inconfundível.¿

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