Título: Tempo não dissipa tensão na Bósnia
Autor: Assunção , Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2007, Internacional, p. A4A

Ex-representante da ONU diz que país ex-iugoslavo pode se tornar centro de uma crise mais profunda do que a de Kosovo

Quase 12 anos após a guerra da Bósnia (1992-1995), que deixou mais de 100 mil mortos, os muçulmanos da Bósnia-Herzegovina ainda lutam para reconstruir suas vidas, em meio às tensões étnicas que ainda permanecessem no país.

Temendo o recrudescimento dos conflitos, União Européia e ONU ainda mantêm no país 2.500 soldados. Outros quatro batalhões estão em alerta, caso seja preciso reforçar a presença militar. Em recente entrevista à emissora de TV BBC, o ex-representante da ONU para a Bósnia lorde Paddy Ashdown afirmou que o país pode ser um problema maior do que a região sérvia de Kosovo - que ameaça declarar independência.

Kozarac, no norte do país, majoritariamente muçulmana, com 10 mil habitantes - eram 27 mil antes da guerra - é um exemplo de como as tensões étnicas ainda se mantém no país.

Em maio de 1992, no início do confronto, a cidade, que tem quatro mesquitas, foi bombardeada por tropas sérvias. Na rua principal de Kozarac ainda se vêem prédios destruídos e outros que carregam as marcas da guerra. No conflito, morreram 1,8 mil moradores. A oito quilômetros de Kozarac, fica outro lugar onde é impossível não lembrar da guerra: o antigo campo de concentração de Ormaska, criado pelos sérvios para aprisionar os bósnios. Lá, foram mortos em três meses mil moradores da cidade.

MILOSEVIC

Revoltado com os resultados do conflito, iniciado com a decisão do ditador sérvio Slobodan Milosevic de construir a ¿Grande Sérvia¿, expulsando os povos que não a integravam, o imã Ahir Mahic, da vizinha cidade de Kelvlijan, chegou a pedir à população que não se relacionasse com nenhum sérvio. ¿Não perdoaria ninguém que ajudasse uma mulher a dar à luz um bebê sérvio¿, disse recentemente durante um evento em Ormaska.

O confronto, em que os sérvios tinham nítida superioridade militar sobre bósnios e croatas, teve cenas de ¿limpeza étnica¿ dignas da 2ª Guerra, que só cessou após a intervenção das tropas da Otan. Muitos bósnios se tornaram refugiados de guerra. Destes, poucos retornaram à pátria para não ter de viver ao lado dos antigos algozes.

DURAS LEMBRANÇAS

Os prédios destruídos em Kozarac atestam que o passado não está tão distante. Emsulda Mujajic, de 45 anos, até hoje se emociona quando fala dos 48 parentes que perdeu na guerra. Ela, que dirige a Casa da Paz, uma ONG voltada para a proteção de viúvas da guerra, espera que sua Kozarac viva em paz.

¿Começamos a trabalhar na Casa da Paz em 1993. Meu desafio era transformar a experiência de dor em alguma coisa diferente da tragédia. Então, decidimos fabricar roupas e artesanato,¿ conta.

A vida da militante muçulmana, que faz questão de manter altas suas expectativas para o futuro, transformou-se no desejo de reconstrução de Kozarac e na busca por justiça.

Com os olhos voltados para o livro dos desaparecidos - que boa parte das famílias bósnias faz questão de manter em casa - ela parece não acreditar ao pronunciar o nome de cada um dos seus parentes executados. ¿Foram 48 mortos, 48 mortos¿, repete.

NOVAS GERAÇÕES

O advogado Satko Mugagic, sobrinho de Emsulda, que trabalha em um órgão de cooperação internacional do governo holandês para imigração, afirma que somente o tempo permitirá que a paz volte à região.

¿Nós precisamos de tempo e de gerações que não tenham sangue nas mãos, que não tenham chorado suas lágrimas até secar. Somente essas novas gerações podem construir um novo país.¿

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