Título: Médica que trabalha por dois vale meio auditor
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2007, Nacional, p. A8
Pediatra em hospital público, Ekatherine ainda atua como professora e ganha R$ 5,7 mil no total; na Receita, salários são todos acima de R$ 10 mil
A médica e professora Ekatherine Goudouris, 43 anos, que trabalha no hospital universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ganha aproximadamente R$ 5,7 mil líquidos. Ela tem, na verdade, dois vínculos com a folha de pagamentos do governo federal: como médica pediatra, com carga horária de 20 horas semanais, e como professora, com carga de 40. Ekatherine, que ainda encontra tempo para atender clientes particulares em uma clínica, na sua especialidade de alergista, tem mestrado e está fazendo doutorado.
A situação de Ekatherine é um exemplo de duas categorias, médico e professor, que ficaram para trás na onda de reajustes reais do funcionalismo durante o governo Lula. São os exemplos mais típicos de atividades-fim do Estado, e foram citadas recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como funções que justificam o aumento dos gastos do Estado.
No caso de Ekaterine, porém, o governo Lula não trouxe vantagens. Ela diz que sua remuneração líquida no início de 2003 era de cerca de R$ 4,7 mil, o que significa uma redução em termos reais. ¿Aqui nós temos uma responsabilidade enorme, de atuar em casos complexos e ainda ensinar os alunos, e essa responsabilidade não se reflete na remuneração¿, queixa-se.
José Henrique Sanglard, professor-adjunto de Engenharia Naval da Escola Politécnica da UFRJ, explica que a remuneração dos professores das universidades federais é uma mistura complexa de diferentes níveis e tipos de gratificação, que faz com que o vencimento básico seja apenas uma pequena parcela do total. Ainda assim, seu vencimento bruto total, de R$ 6.802,74, fica muito aquém do salário inicial em outras carreiras do Executivo, como auditor da Receita Federal, delegado da Polícia Federal ou advogado da União - todos acima de R$ 10 mil.
¿Eu estou decepcionado com o governo Lula, não só na questão salarial, mas com a maneira como trata os professores, que não bate com o discurso de prioridade à educação¿, diz Sanglard. No momento, há uma negociação com os professores universitários na qual o governo diz que está dando ajustes que atingem 69% até 2010. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), porém, o reajuste médio dos professores até 2010 será de 26%.
Essa realidade contrasta com carreiras como a dos delegados da Polícia Federal, com salário inicial e final (em agosto de 2007) de R$ 10.862 e R$ 15.391, que tiveram aumentos reais desde julho de 2003 de respectivamente 11% e 32%. Sandro Torres Avelar, delegado e presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, diz que nos quatro primeiros anos do governo Lula foi rompido um equilíbrio que sempre houve entre os salários de delegados e de procuradores da República (um subprocurador-geral da República ganha R$ 21.505,69).
¿O salário inicial de um procurador passou a ser mais que o dobro de um salário da Polícia Federal e isso criou um problema, porque o governo investe na formação de um delegado, e assim que ele toma posse, passa a tentar ingressar em outras carreiras da área jurídica¿, diz Avelar.
Evandro Costa Gama, advogado-geral da União substituto, traça um raciocínio paralelo a esse, mas de natureza mais formal. Os advogados da União tiveram aumentos reais de salários, inicial e final, de 71% e 40%, entre julho de 2003 e agosto de 2007, o que os elevou para respectivamente R$ 10.497,56 e R$ 12.900,42. Segundo Costa Gama, a Advocacia-Geral da União (AGU) não integra o Poder Executivo, de acordo com a interpretação correta da Constituição, e faz parte das instituições que por definição ¿exercem função Essencial à Justiça¿. Assim, tem de ser equiparado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público Federal.
Segundo uma fonte da área econômica do governo, um dos problemas atuais é que os fortes aumentos salariais do Judiciário e do Ministério Público levaram a reajustes substanciais (mas ainda assim menores) em carreiras jurídicas do Executivo, como a dos advogados da União e delegados da PF. ¿Quando se move uma peça, todas as outras começam a se mexer também¿, diz.
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