Título: Economia de Evo segue via chavista
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2007, Internacional, p. A36

Inflação e escassez de produtos básicos lembram caso venezuelano

A Bolívia está começando a cair na mesma armadilha econômica que obriga consumidores venezuelanos a peregrinarem por um sem fim de supermercados em busca de carne, leite, ovos e açúcar. Empenhado numa feroz queda-de-braço com os empresários das regiões ricas do país, o presidente Evo Morales tenta conduzir a economia como se fosse um embate político.

'Estamos enfrentando uma guerra política e uma econômica', disse ele recentemente num discurso em Tiquina, no Departamento (Estado) de La Paz . 'A política tem como objetivo fechar a Assembléia (Constituinte), enquanto a econômica visa a aumentar os preços dos produtos da cesta básica.' Essa posição, dizem os analistas, pode criar na Bolívia os mesmos empecilhos que hoje travam o desenvolvimento de setores não petrolíferos na Venezuela. De fato, ela já está começando a dar sinais de desgaste.

De acordo com algumas estimativas, a inflação deste ano na Bolívia deve chegar a 12%, puxada pelos alimentos. É o segundo índice mais alto da América do Sul, atrás apenas da Venezuela. O abastecimento de produtos como arroz, carne e farinha também está cada vez mais inconstante, lembrando o que acontece no país de Hugo Chávez (onde a população teve de se acostumar a tomar leite em pó porque o leite fresco sumiu das prateleiras).

Para piorar, desde que as operações de importação e distribuição de diesel passaram da Petrobrás para a estatal petrolífera YPFB, o suprimento desse produto é insuficiente nas regiões mais ricas e produtivas do país, como o Departamento de Santa Cruz. Falta combustível para arar a terra, colher e transportar alimentos e abastecer os caminhões que carregam toda sorte de produtos Bolívia afora.

Como o diesel é subsidiado, mesmo quando o estoque é reposto é difícil de evitar que ele flua para os países vizinhos por algumas das inúmeras rotas de contrabando.

O governo não tem dúvida sobre quem são os responsáveis pela alta de preços: os produtores e as elites econômicas dos Estados do oriente do país - principalmente Santa Cruz. Os 'culpados' calham de ser também os maiores inimigos políticos de Evo por se oporem à nova Constituição e exigirem mais autonomia para sua região.

O presidente vê um boicote. Para ele, os empresários estariam aumentando seus estoques para especular e desestabilizar seu governo, visão explicada didaticamente numa propaganda oficial veiculada pela TV boliviana. 'Você sabe quem é o dono da fábrica de óleo?', diz um taxista, principal personagem da peça publicitária, esclarecendo a uma cliente que reclama da inflação. 'Branco Marinkovic, presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz. Os parentes de Rubén Costas, governador do departamento, são todos grandes produtores. São eles os responsáveis.'

Evo preocupa-se porque o problema atinge mais duramente a população pobre - sua base de apoio. 'Os bolivianos sofreram muito com a hiperinflação há 20 anos e esse é um tema que de fato pode causar impacto nos seus índices de popularidade', disse ao Estado o economista Gilberto Hurtado, da Universidade Católica Boliviana.

As tentativas de remediar a situação, porém, até agora não passam de paliativos. O Programa Produtivo para a Segurança Alimentar prevê um orçamento total de US$ 60 milhões para importar e distribuir alimentos, garantindo preços mais baixos.

Em setembro, Evo prometeu equipar os quartéis com fornos industriais para que os militares possam assar pão, contribuindo para melhorar a oferta desse produto. No mês passado, pediu à Argentina dois aviões Hércules emprestados para distribuir pelo país 15 mil quilos de carne comprados na região de Beni.

Recentemente, o presidente também emitiu um decreto restringindo a exportação de alguns alimentos, como o arroz e a carne bovina, e outro permitindo a livre importação de produtos cujos preços estejam altos.

'Como na Venezuela, há uma tendência a ampliar o controle e participação do Estado na economia', diz Hurtado. 'O problema é que o governo nunca será capaz de garantir o suprimento de alimentos de forma eficiente.'

INSTABILIDADE

Do outro lado do ringue, os empresários reclamam da falta de incentivos para aumentar a produção. 'A crescente instabilidade política e econômica nos impede de investir', diz Maurício Roca, presidente da Câmara Agropecuária do Oriente. Entre os principais fatores de insegurança, eles apontam uma reforma da lei agrária promulgada pelo Congresso há um ano para redistribuir terras para indígenas e camponeses.

Definida como uma 'revolução agrária' pelo partido governista Movimento ao Socialismo (MAS), a nova lei facilita a expropriação de terras que não cumprem 'sua função econômica e social'. 'A lei estabelece uma série de exigências para que a propriedade preencha esse requisito e qualquer desvio pode deixar o produtor vulnerável', diz Roca.

Outra reclamação diz respeito ao projeto da nova Constituição, elaborado pelo MAS e aprovado em primeira instância no dia 24 numa votação numa escola militar, da qual a oposição não participou.

A proposta consagra outras formas de propriedade além da privada, como a comunitária, e garante a soberania para povos indígenas em alguns territórios. O medo dos pecuaristas e agricultores é que algumas comunidades venham a reivindicar suas terras alegando direito originário.

'Há dois anos todo mundo queria comprar mais terras para expandir seus negócios, mas agora todos pisamos no freio e estamos esperando para ver o que acontece', diz um grande produtor de soja brasileiro em Santa Cruz, que não quis se identificar.

Segundo analistas, a falta de investimentos de fato explica grande parte do problema de inflação e abastecimento, mas não todo. A alta de preços também é resultado das enchentes que prejudicaram a produção do leste do país no último ano, por exemplo.

'Além disso, ao mesmo tempo que há uma restrição da oferta de produtos há um crescimento da demanda por causa de três fatores', diz o economista Luis Carlos Jemio, ex-ministro das Finanças. O primeiro é o aumento do volume das remessas dos bolivianos que emigraram para EUA e Espanha. O segundo, a elevação da receita proveniente do gás e recursos minerais, cujos preços estão em alta no mercado internacional. E, por último, o crescimento dos gastos públicos por causa de programas sociais, como o Bonus Juancito Pinto - uma espécie de bolsa-escola.

Esse aumento de receita poderia ser uma oportunidade para a economia deslanchar, criar empregos e ajudar na redução da miséria . 'É lamentável que as instabilidades políticas se imponham mais uma vez às muitas oportunidades de desenvolvimento oferecidas pela economia boliviana', diz Jemio.

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