Título: Relatório sobre Irã mina estratégia americana de exagerar ameaças
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2007, Internacional, p. A39
Informação de que Teerã suspendeu programa de armas nucleares em 2003 abalou credibilidade da Casa Branca
Foram anos exagerando o perigo nuclear e a proliferação das armas de destruição em massa em várias nações. Agora, a estratégia de 'turbinar ameaças' do presidente americano, George W. Bush, voltou-se contra o feiticeiro.
A divulgação do relatório da Estimativa Nacional de Inteligência na semana passada, no qual as agências governamentais do setor revelam que o Irã suspendeu seu programa de armas nucleares em 2003, foi um duro golpe na credibilidade da Casa Branca e na sua capacidade de angariar apoio internacional para impor sanções contra os iranianos. Até pouco tempo atrás, Bush continuava alertando para o 'perigo de uma 3ª Guerra Mundial' com a possibilidade iminente de o Irã construir uma bomba nuclear.
O relatório de inteligência derrubou a tese do perigo iminente. 'Não foi como em 2002, quando a comunidade de inteligência simplesmente endossou todos os exageros da Casa Branca (sobre as armas de destruição em massa do Iraque) - não se trata mais de George Tenet (ex-diretor da CIA)', diz Ray Takeyh, pesquisador do Council of Foreign Relations .
'A falha do governo Bush foi ter errado a medida de sua política externa, ao exagerar a capacidade nuclear e a ameaça iraniana', diz o iraniano Vali Nasr, professor da Universidade Tufts e pesquisador do Council of Foreign Relations. Nasr e Takeyh são autores do artigo principal da revista Foreign Affairs de janeiro-fevereiro, 'Os Custos da Contenção do Irã - a Equivocada Nova Política de Washington para o Oriente Médio'.
O problema é que o governo americano perdeu um pouco mais de sua credibilidade. E praticamente deu passe livre para o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, seguir com sua estratégia nuclear. 'Agora o Irã tem um programa nuclear com crescente capacidade de enriquecer urânio que é essencialmente imune a um ataque militar dos EUA', diz Takeyh.
Sem o argumento de perigo iminente de armas nucleares, os EUA não podem justificar para a comunidade internacional um ataque preventivo contra o Irã. E dificilmente fariam um ataque unilateral ao país agora, após se envolverem em guerras em duas nações islâmicas - o Iraque e o Afeganistão.
FÁBULA DE ESOPO
É mais ou menos como aquela fábula do Esopo, do menino que gritava 'lobo'. Era um pastor que saía com suas ovelhas e sempre pedia socorro, mentindo que o lobo estava atacando. Os camponeses do vilarejo ficavam alarmados e corriam para ajudá-lo, chegavam lá e descobriam que era mentira. Certa ocasião, o lobo veio de verdade. O menino gritou, gritou, mas ninguém acreditou. Como dizem os americanos, 'never cry wolf' (dar um alarme desnecessário, segundo o Dicionário Merriam Webster).
Com a divulgação do relatório, Ahmadinejad foi encorajado a seguir em frente com seu programa nuclear e, quem sabe, chegar à bomba. E quando os EUA soarem o alarme, vai ser difícil convencer a comunidade internacional.
Segundo Gary Sick, professor da Universidade Columbia que serviu no Conselho de Segurança Nacional nos governos de Gerald Ford, Jimmy Carter e Ronald Reagan, não importa o fato de o Irã ter ou não suspendido seu programa nuclear em 2003 (muitos céticos contestam a informação do relatório).
'De qualquer maneira, os iranianos têm infra-estrutura e capacidade nuclear suficientes para decidir se querem ter a bomba e, em 18 meses, efetivamente fabricar a bomba atômica', diz Sick, para quem o Irã já poderia ter a bomba, se quisesse. 'Na realidade, os programas nucleares secretos como os de Israel, Paquistão e Índia mostram que, do momento em que o país decide que quer ter a bomba até realmente produzi-la, passam-se cinco ou seis anos', explica.
Segundo ele, o Irã tomou essa decisão em 1985. 'Estúpidos eles não são, então existe algum motivo para, 20 anos depois, ainda não terem a bomba atômica. Eles estão deliberadamente conduzindo o programa de forma lenta', diz Sick.
Se forem realmente espertos, nem irão até as últimas conseqüências, diz o acadêmico. Para Sick, 'ter o potencial de fabricar a bomba é tão útil quando efetivamente ter a bomba, em termos de poder de barganha internacional. Aliás, não ter a bomba é até melhor, porque não deixa o Irã como alvo claro de ataque'.
Sick espera que o Irã opte pela estratégia mais 'esperta'. Já que, dessa vez, não vai adiantar muito os EUA gritarem 'lobo'.
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