Título: Kosovo ameaça declarar separação
Autor: Dias, Cristiano
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2007, Internacional, p. A14

ONU recebe relatório sobre província sérvia que, a partir de hoje, pode proclamar-se independente a qualquer momento

Diplomatas dos EUA, da União Européia (UE) e da Rússia entregam hoje ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, um relatório sobre os resultados da negociação entre sérvios e albaneses para o status de Kosovo. De acordo com o primeiro-ministro kosovar, Hashmin Thaci, a partir de agora a independência da província pode ser declarada a qualquer momento.

Em novembro, no calor da campanha eleitoral em Kosovo, Thaci afirmou categoricamente que a região declararia sua independência unilateralmente logo após a entrega desse documento. Depois de eleito, longe das câmeras de TV e pressionado por diplomatas ocidentais, no entanto, ele aceitou não tomar nenhuma decisão antes de consultar os EUA e a UE.

O alemão Wolfgang Ischinger, representante da UE na troika - que é conhecido o conselho de negociadores formado por EUA, UE, Rússia, Sérvia e albaneses kosovares - disse que o relatório de hoje vai apenas constatar a falta de acordo entre ambos os lados e não fará nenhuma alusão sobre o que fazer daqui para frente.

Sérvia e Kosovo têm posições irreconciliáveis. Durante as negociações, os sérvios ofereceram o máximo de autonomia, bandeira, hino e até uma seleção de futebol. Belgrado só controlaria a política externa e sobre o patrulhamento das fronteiras. A maioria albanesa, contudo, não aceita outra coisa que não a independência total.

O assunto agora será discutido no Conselho de Segurança da ONU dia 19. Como ninguém espera um acordo, a diplomacia americana deve dar sinal verde para que os kosovares dêem seu grito de independência em janeiro ou fevereiro, abrindo um leque de conseqüências, uma mais catastrófica do que a outra.

EFEITO CASCATA

¿A independência de Kosovo abriria um precedente para vários outros movimentos separatistas¿, disse ao Estado, por telefone, Andrei Tsygankov, cientista político da Universidade de São Francisco, nos EUA.

Kosovo tem 2 milhões de habitantes, dos quais 95% são albaneses e 100 mil sérvios. A região é parte da Sérvia. A divisão de um Estado multinacional seria um convite para que minorias em outras partes do mundo também reivindiquem a emancipação. Num continente abarrotado de países multinacionais como a Europa, Kosovo pode ser sinônimo de um desarranjo gigantesco.

De acordo com Tsygankov, as primeiras regiões que exigiriam o mesmo tratamento seriam a Abkházia e a Ossétia do Sul, de maioria russa, que se separariam da Geórgia, e Nagorno-Karabach, de maioria armênia, que ficaria independente do Azerbaijão. ¿Isso incendiaria o Cáucaso¿, disse.

O medo de estabelecer uma jurisprudência é a maior razão de a UE estar dividida sobre o assunto. Espanha, Eslováquia, Hungria, Grécia, Bulgária, Chipre e Romênia - que convivem com minorias étnicas - são contra a independência de Kosovo.

Existe também oposição fora do bloco. A Turquia, por exemplo, apesar das boas relações com os albaneses, evita o tema exatamente porque tem de lidar com uma minoria curda em seu território. Embora esteja distante do conflito, a China segue o mesmo caminho. ¿O governo chinês não fala abertamente, mas se a questão for ao Conselho de Segurança, certamente ele vetaria a independência por causa do Tibete e Taiwan¿, disse o cientista político Baohui Zhang, da Universidade de Lingnan, em Hong Kong.

Já os russos não querem Kosovo independente por uma série de razões. Além da afinidade histórica e religiosa, a Rússia é a maior fonte de recursos externos da Sérvia, que retribui jurando fidelidade a Moscou. Além disso, o separatismo também é sensível ao Kremlin, que não tolera o nacionalismo checheno.

A favor dos albaneses estão os EUA e a maior parte da UE, principalmente França, Grã-Bretanha, Alemanha e Itália. Para Richard Weitz, do Instituto Hudson, de Nova York, a razão de tanto empenho dos americanos pela independência de Kosovo é o entendimento do Ocidente de que a demora em resolver a questão levaria à retomada da guerra. ¿A independência é a única forma de evitar um novo confronto¿, disse.

A intromissão dos russos no caso acabou se tornando mais um ponto de atrito do Kremlin com a Casa Branca. Pior para os albaneses. ¿Nosso maior erro foi não ter resolvido essa questão quando a Rússia estava enfraquecida¿, afirmou o economista albanês Shpend Ahmeti, do Instituto para Estudos Avançados, de Pristina.

O cenário mais provável, segundo a maioria dos analistas, é que Kosovo declare sua independência, que seria reconhecida por parte da UE e pelos EUA, mas não pela Sérvia, Rússia e vários outros países. O novo país, porém, nunca conseguirá um lugar na ONU, já que Rússia e China têm poder de vetar a entrada de novos membros.

Caso a independência seja mesmo declarada, o governo sérvio diz ter um plano de ação para responder à altura. A primeira medida deve ser o fechamento das fronteiras e um bloqueio comercial a Kosovo. Cerca de 70% do comércio kosovar depende da Sérvia. Belgrado, que fornece a metade da energia elétrica da província, poderia também interromper o fornecimento de luz, deixando os albaneses na escuridão em pleno inverno.

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