Título: Esquema de desvios, que envolveu fiscais e um ex-subsecretário, deixou rombo de cerca de US$ 53 milhões
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2007, Nacional, p. A8

Em uma ação pouco comum em um paraíso fiscal, a Justiça suíça acusou ontem cinco altos executivos de um banco de Zurique por lavagem de dinheiro no esquema dos fiscais de renda do Rio, caso que explodiu em 2001 e envolveu pessoas ligadas ao ex-governador Anthony Garotinho. O dinheiro desviado pelo esquema chega a 60 milhões de francos suíços (US$ 53 milhões), que estão bloqueados em contas na Suíça. Segundo revelaram os investigadores ao Estado, uma eventual condenação em 2008 pode acelerar o processo para devolução dos recursos aos cofres brasileiros.

O esquema no Rio ficou conhecido como propinoduto. Segundo as investigações, quatro fiscais e quatro auditores da Receita Federal teriam enviado os US$ 53 milhões para bancos na Suíça entre 1999 e 2000. O dinheiro viria de propinas pagas por empresas em troca de benefícios fiscais. No Brasil, os fiscais foram condenados no fim de 2003 a penas que variam de 14 a 17 anos de prisão por lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa.

O principal acusado, o fiscal Rodrigo Silveirinha, que foi subsecretário de Administração Tributária do Rio na gestão de Garotinho, teria enviado US$ 8,9 milhões para a Suíça. Ele era responsável pela fiscalização de cerca de 400 empresas e trabalhava com Garotinho desde 1998. Foi ainda o coordenador econômico de Rosinha Garotinho (PSB) na campanha ao governo do Rio, em 2002.

Mas o Estado apurou que as investigações na Suíça ¿não apontaram um aparente uso do dinheiro para fins de campanha¿. O esquema teria sido revelado pelo banco Union Bancaire Priveé (UBP), que comprou o Discount Bank de Genebra em 2001 e descobriu a lavagem ao fazer uma revisão de todas as contas da instituição que estava adquirindo, principalmente sobre o escritório que o Discount Bank tinha no Brasil.

O UBP garantiu na época que suspendera os responsáveis e faria uma investigação interna. Ontem, o banco optou por não se pronunciar.

Na Suíça, a acusação contra os altos executivos do banco surpreendeu. Na maioria dos casos de corrupção, as pessoas envolvidas fora do país são acusadas, mas o impacto sobre os bancos é baixo. Os executivos do banco podem pegar até cinco anos de prisão, pena que pode ser reduzida para três anos. Para chegar à acusação, os investigadores suíços precisaram de cinco anos de trabalho.

Segundo o Ministério Público suíço, os funcionários acusados administraram contas dos fiscais do Rio por três anos. O que provocou a desconfiança das autoridades foi a diferença entre os salários dos fiscais e os milhões que enviavam todos os meses por meio do escritório do Discount Bank no Rio à Suíça.

Os investigadores esperam que o caso seja julgado em maio pelo Tribunal Federal Suíço, na cidade de Bellinzona, na parte italiana do país. Os acusados não tiveram seus nomes revelados, mas, de acordo com o Ministério Público suíço, ocupavam cargos de nível médio e superior no Discount Bank.

O caso dos fiscais do Rio é apenas um entre os diversos na agenda de discussões entre a Suíça e o Brasil. Há um mês, o UBS teve alguns de seus funcionários presos no País por acusações de lavagem de dinheiro. O mesmo já havia ocorrido há um ano com o Credit Suisse.

'NÃO MUDA NADA'

No Rio, o procurador da República Gino Liccione, que atuou no processo criminal do propinoduto, disse que a denúncia dos cinco executivos do banco de Zurique ¿não muda nada¿ no Brasil, mas pode abrir uma competição pelos US$ 53 milhões bloqueados no exterior em nome dos acusados. ¿A Suíça tem interesse no confisco do dinheiro.¿ Ele afirmou não conhecer em profundidade a lei suíça, mas destacou que o crime de lavagem costuma dizer respeito a bens do próprio acusado. ¿Quando a acusação envolve terceiros, em geral é pela atuação como testa-de-ferro na aplicação dos recursos¿, explicou.

Ele lembrou, porém, que só os fiscais e suas mulheres podiam manipular as contas numeradas. Para Liccione, se houver envolvimento direto dos executivos do banco ¿com as contas dos acusados, abre-se a disputa pelo dinheiro, pelo menos parte dos recursos para cada um dos países lesados¿. Segundo ele, o Discount Bank não cumpriu normas do Banco Central da Suíça. ¿O DBTC não checou a origem dos recursos nem quem eram as pessoas que o traziam. No Brasil, os representantes do Discount não tinham autorização para abrir contas. E as contas foram abertas aqui. Tinha cumplicidade lá.¿

Há cerca de um mês, o desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região Abel Gomes, relator do recurso dos fiscais, recebeu um pedido de um emissário do juiz suíço Pierre Peroudin. Ele queria uma cópia do voto que voltou a condenar a quadrilha no TRF, em 18 de setembro de 2007. O texto foi enviado ao Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério de Justiça, traduzido para o francês e mandado para a Justiça helvética. Não se sabe, porém, se teve alguma influência na decisão de indiciar os executivos do banco.

Segundo o procurador regional da República João Ricardo Ferrari, que atuou no caso no TRF, não há mais possibilidade de adicionar novas provas ao processo dos fiscais. Se houver novas evidências, um ou mais novos processos podem ser abertos na primeira instância. Ferrari pretende solicitar cópia da decisão à Justiça da Suíça, para avaliar o que fazer.

JULGAMENTO

Em 18 de setembro, no julgamento no TRF, o advogado Fernando Fragoso, defensor de Silveirinha, disse que os US$ 8 milhões depositados no Discount Bank em nome dele eram, na verdade, recursos da campanha de Rosinha Garotinho (PMDB), candidata ao governo do Rio em 2002. O advogado insistiu em que seu cliente não tinha nada a ver com os recursos bloqueados. ¿Era apenas tesoureiro da governadora Rosinha. Preciso ser mais claro?¿

Fragoso não retornou pedidos de entrevista. Rosinha e seu marido, Anthony Garotinho, não quiseram se manifestar.

Condenados no fim de 2003 por diversos crimes na primeira instância a penas que chegaram a 17 anos, os acusados foram soltos em junho de 2004, por decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). E, apesar do julgamento no TRF, continuarão soltos até que a sentença transite em julgado, ou seja, não exista mais possibilidade de recurso.

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