Título: A licitação da Santo Antônio
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2008, Notas e Informações, p. A3

Durou sete minutos o leilão de concessão da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na segunda-feira, e vencido pelo Consórcio Madeira Energia - formado pelas empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Furnas, Cemig e um fundo de investimento constituído pelos Bancos Banif e Santander.

A energia de Santo Antônio será fornecida a R$ 78,90 o MWh, com deságio de 35% em relação ao máximo de R$ 122,00 o MWh, previsto no edital. O valor surpreende por ser considerado baixo demais.

O governo apressou-se a justificar os preços, que teriam surpreendido o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. Ele acompanhou o leilão ao lado do ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, e de políticos da base aliada do governo.

¿Não há amadorismo nesse leilão¿, disse Hubner para justificar o deságio. ¿Todas as empresas participantes são grupos experientes e, além disso, o contrato exige garantias pesadas.¿

A Hidrelétrica de Santo Antônio, com capacidade instalada de 3.150 MW, estará entre as maiores do País, menor apenas do que Itaipu, Tucuruí, Ilha Solteira e Xingu, e começará a operar, na melhor das hipóteses, em dezembro de 2012 - com apenas duas turbinas. Até lá, o País estará sujeito a falhas no fornecimento de energia elétrica, se a economia crescer a um ritmo entre 4% e 5% ao ano.

O diretor da Odebrecht responsável pelos estudos das usinas do Madeira, Irineu Meirelles, estimou em R$ 10 bilhões o montante dos investimentos. Para obter maior retorno, o consórcio venderá 30% da energia produzida no mercado livre, onde os preços são sempre mais elevados - no período de 8 a 14/12, é de R$ 212,20 o MWh. Os outros 70% serão vendidos a consumidores cativos - ou seja, às grandes distribuidoras de energia.

O governo Lula levou cinco anos para concluir seu primeiro leilão de uma usina hidrelétrica de grande porte. Mas não há dúvida de que o sucesso da licitação poderia lhe render argumentos para disfarçar os pífios resultados de sua política energética até agora, apesar das facilidades creditícias oferecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de usinas hidrelétricas de grande porte - que não se limitam às do Madeira. Do consórcio vencedor dessa primeira licitação, o BNDES cobrará a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 6,25% ao ano, mais o spread de 0,5% ao ano, e a Taxa de Risco de Crédito de 0,46% ao ano até 2,54% ao ano, dependendo da classificação de risco do projeto. Isto se aplica a usinas com capacidade de geração igual ou superior a 2 mil MW, caso de Santo Antônio e também de Jirau, a outra usina do Madeira, a ser licitada em 2008.

O BNDES poderá financiar até 75% do custo total do empreendimento e 85% do total financiável. O consórcio poderá dispensar uma operação de project finance com bancos internacionais, que seria mais cara, mas terá de entrar com 20% de recursos próprios.

No caso de o consórcio se transformar em empresa de capital aberto, o BNDES também terá a opção de se tornar acionista do empreendimento.

O financiamento do governo à produção de energia não se limita a hidrelétricas. O BNDES ofereceu há pouco novas linhas de crédito para a co-geração de energia pelas usinas de açúcar e álcool, sendo possível acrescentar quase meia capacidade da Usina de Santo Antônio - 1,4 mil MW - à geração.

No longo prazo, a questão é saber se as tarifas do Madeira poderão continuar tão baixas. Com escassez de oferta de energia, é possível que os preços tenham de subir para que não haja desequilíbrio econômico dos contratos - neste caso, o custo recairá sobre o consumidor. Como afirma um conhecido crítico da política energética do governo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ¿a política de construção de usinas é soviética: o governo reduz encargos e o empresário baixa preços¿. O ministro Hubner prefere afirmar que, com ¿esse leilão, deveremos criar uma referência melhor desses preços¿.

Seja como for, o leilão da primeira usina do Madeira é um marco na história da geração hidrelétrica do País, mas, certamente, não livra ainda o País do risco de novos colapsos, com os ônus conhecidos.

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