Título: A Amazônia, vilã ou vítima?
Autor: Novaes, Washington
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

No momento em que este texto é escrito, ainda não há decisões finais na reunião da Convenção do Clima em Bali. Embora nenhum país costume abrir o jogo antes do prazo final (nesta sexta-feira), parece pouco provável que se chegue a mais que uma declaração de intenções sobre o desejo de um acordo para o período pós-Kyoto. Os Estados Unidos deixaram claro que não aceitarão compromissos de redução de emissões, nem mesmo menção a metas numéricas. E isso no momento em que a Agência Internacional de Energia prevê um aumento de 55% na demanda mundial por energia até 2050; prevê também que os países em desenvolvimento responderão por 74% do aumento e que até 2030 nada menos de 84% desse aumento terá de ser suprido por energias derivadas da queima de petróleo, gás e carvão. Situação complicada, já que se recomenda redução de pelo menos 50% nas atuais emissões até meados do século, para evitar que a temperatura planetária suba além de 2 graus Celsius e tenha conseqüências ainda mais graves que as de hoje.

Mesmo a questão do desmatamento em florestas tropicais, inclusive na Amazônia - ele responde hoje por uns 20% das emissões totais -, esteve envolta em certa confusão. Inclusive pelo ângulo brasileiro. O embaixador Sérgio Serra assegurou que ¿o Brasil não quer incluir florestas nas negociações¿. Já o chanceler Celso Amorim disse que a Amazônia ¿é a grande vítima das mudanças do clima, não sua causadora¿. Se os países industrializados não reduzirem suas emissões, afirmou, ¿a Amazônia provavelmente desaparecerá¿. No meio da semana, em evento paralelo, a delegação brasileira anunciou a criação, em 2008, de um fundo voluntário para ajudar a reduzir as emissões por desmatamento. Estabeleceu a meta interna (não como compromisso no âmbito da convenção) de 19,5 mil quilômetros quadrados anuais para o desflorestamento, que é a média do desmatamento na Amazônia entre 1995 e 2006 (segundo a secretária de Mudanças Climáticas, Thelma Krug, 59% do total das emissões por desmatamento e queimadas provêm da Amazônia). Não ficou claro se a redução atingirá outros biomas - só no cerrado, os últimos números do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) apontam para uma perda anual de 22 mil quilômetros quadrados.

Goste-se ou não, a Amazônia brasileira continuará no centro da discussão mundial sobre clima, recursos naturais, biodiversidade. Ali, segundo estudo recente de várias instituições, estão estocadas 47 bilhões de toneladas de carbono, quase o dobro das atuais emissões anuais de poluentes no mundo; está um terço da biodiversidade brasileira (que representa de 15% a 20% da diversidade biológica do planeta); estão quase 80% do fluxo de água em território brasileiro (que representam 12% do fluxo mundial); estão importantes mecanismos de equilíbrio e regulação do clima no continente sul-americano e nos oceanos. Mas o desmatamento continua alto: 11.224 quilômetros quadrados de agosto de 2006 a julho de 2007 e uma nova tendência de aumentar - 8% entre julho e setembro deste ano, com altas de até 600% em Rondônia em setembro, 50% no Pará e em Mato Grosso de julho a setembro.

Significativamente, o aumento exponencial em Rondônia coincide com o período em que o Estado está assumindo o licenciamento para desmatamento, que antes cabia ao governo federal. E isso coloca a questão: se o governo federal não tem estrutura para um licenciamento e monitoramento competentes, como será com o governo estadual e/ou municipal, muito menos provido de recursos, muito mais sujeito a pressões dos poderes político e econômico locais? Embora a descentralização seja teoricamente desejável, na prática os problemas se têm verificado em todas as partes do País onde ela ocorre. Na verdade, parece muito mais um ¿repasse do mico¿ que qualquer outra coisa. E, segundo o Imazon, 83% do desmatamento entre 1995 e 2007 se deve ¿exclusivamente às oscilações dos preços da soja e das carnes no mercado internacional¿ - o que agrava as pressões locais.

Nove ONGs estão propondo um pacto pela valorização da floresta e pelo fim do desflorestamento na Amazônia, que permita chegar ao desmatamento zero até 2010. Custaria R$ 1 bilhão por ano - entre outras coisas, pagando, por exemplo, ao proprietário para não desmatar os 20% de floresta a quem direito em sua propriedade. Mas grande parte do desmatamento é ilegal e é feito inclusive nos 47% de terras públicas do bioma, que os governos não conseguem fiscalizar. Recentemente, publicou-se que o Ibama tem 58 fiscais no Estado do Amazonas, com 1,6 milhão de quilômetros quadrados, ante 61 no Distrito Federal (5,8 mil km2). O monitoramento no sul do Amazonas é feito a 500 quilômetros de distância, por satélite.

A professora Bertha Becker, cientista de alta reputação na área, observa que ¿a floresta precisa ter valor econômico; se não tiver, vai perder para a soja e a carne¿. Outro cientista renomado, o professor Ignacy Sachs, afirma que o bioma pode vir a ter a ¿civilização da biomassa¿ - geradora de alimentos, combustíveis, cosméticos, medicamentos - se investir pesadamente em formação de mão-de-obra e ciência. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência também já propôs forte investimento em pesquisa da biodiversidade e formação de cientistas, ao lado do desmatamento zero e da utilização de 700 mil quilômetros quadrados já desmatados para a expansão de atividades econômicas. Mas como fazer, se outros especialistas lembram que custa três vezes menos promover um desmatamento ilegal do que trabalhar de acordo com a lei?

Por difícil que seja aceitar, até aqui não se fez melhor que os índios para a conservação da floresta e dos serviços naturais, principalmente na Amazônia - repetiu na semana passada o presidente da Funai, Márcio Vieira, ao visitar a devastada Rondônia.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

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