Título: Depois da queda
Autor: Wernwck, Rogério L. Furquim
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2007, Economia, p. B2

RFurquim Werneck* ogério L.

A derrota do governo na votação da prorrogação da CPMF pode desencadear mudanças importantes no regime fiscal do País. Para que seus possíveis desdobramentos sejam vislumbrados com mais clareza, o episódio tem de ser posto em perspectiva adequada e devidamente associado aos descaminhos da política fiscal do governo.

Desde meados dos anos 90, os gastos primários dos três níveis de governo vêm crescendo ao dobro da taxa de crescimento do PIB. Em 2005, a percepção de que isso era insustentável levou a que se discutisse no governo a adoção de medidas de ajuste fiscal de longo prazo. É bem sabido que a idéia acabou implodida por um grupo liderado pela ministra Dilma Rousseff que, meses depois, veio a se apoderar da gestão da política econômica do governo, passando a fazer apologia escancarada da expansão acelerada do gasto público. Ao final do nono mês do segundo mandato, a ministra-chefe da Casa Civil declarou à imprensa, com todas as letras, que preocupações com contenção de gastos haviam sido relegadas ao próximo mandato presidencial. Em perfeita consonância, o ministro da Fazenda vem insistindo que o crescimento do dispêndio é mais do que justificável e que não vê sentido em comparar a evolução dos gastos públicos com a do PIB.

Nesse quadro de insustentabilidade fiscal festejada, ganhou corpo no Congresso a idéia de negar ao governo acesso tão fácil a recursos fiscais, num momento em que a receita federal já vinha mostrando expansão real de mais 10% ao ano. Durante meses, o governo se recusou a dar a importância devida à mobilização da oposição para derrotar a emenda que prorrogava a CPMF. Contava com a solidez da base governista na Câmara e com a possibilidade de, se necessário, cindir a bancada oposicionista no Senado, com a ajuda dos governadores. Mesmo quando ficou claro que os governadores não tinham tanta ascendência sobre os senadores da oposição e que a probabilidade de derrota no Senado era alta, o governo se recusou a abrir mão dos anéis para salvar os dedos. É bem possível que um cronograma de redução generosa de alíquota tivesse sido suficiente para quebrar as resistências da oposição. Mas o Planalto preferiu acenar com contrapropostas pífias e insistir no jogo do tudo ou nada, agarrando-se a malcozida estratégia de brinkmanship, na expectativa de que a oposição afinal titubeasse, diante da decisão de extinguir um tributo com receita anual esperada de R$ 40 bilhões. Na vigésima quinta hora, a contraproposta patética que, afinal, apresentou foi solenemente ignorada pela oposição.

A derrota impõe ao governo colossal mudança de planos. Já não se lhe afigura tão tranqüila a idéia de atravessar os três últimos anos do atual mandato presidencial expandindo dispêndio público à larga, na esteira de um crescimento acelerado de receita tributária, turbinado por R$ 120 bilhões de arrecadação da CPMF. O governo se vê agora obrigado a refazer contas, repensar gastos e negociar com a oposição recursos necessários para manter as contas públicas sob controle. Para o País, é um grande avanço que, num quadro de arrecadação menos farta, o Planalto se veja compelido a superar sua confessada inapetência por esforços de racionalização do gasto público. E forçado a fazer da discussão da política fiscal o tema central do debate econômico de 2008.

Preocupações com os efeitos da derrota sobre o superávit primário devem ser temperadas pelo bom senso. Há quem alegue que a sustentabilidade fiscal foi posta em risco. A presunção é de que um regime fiscal que vinha exigindo aumento de carga tributária de quase um ponto porcentual do PIB a cada ano era sustentável. E que agora já não é. Na análise desse ponto, é preciso evitar atitude equivalente à de um médico que, transformado em mero guardião do termômetro, desaconselha todo e qualquer tratamento que implique elevação, mesmo momentânea, da temperatura do paciente.

O que, sim, é preocupante é ter visto, nas cenas finais de um filme sobre redução de carga tributária, governadores de oposição brandindo, como suposta solução para o impasse da CPMF, alternativa que redundaria, de fato, em expansão de dispêndio e aumento de vinculação orçamentária. Em dupla contramão do esforço de ajuste fiscal que se faz necessário.

*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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