Título: Mantega quer recriar tributo sobre movimentação financeira
Autor: Racy, Sonia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2007, Nacional, p. A4

Segundo ministro, terá de ser como a CPMF, para combater sonegação, com recursos destinados somente à saúde

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, nunca mais. Essa foi a lição que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tirou da derrota - a maior do governo Lula, em seus seis anos de vida - na tentativa de prorrogar a CPMF. Para buscar os R$ 40 bilhões perdidos na madrugada de quinta-feira, no Senado, Mantega quer criar uma nova contribuição nos moldes da que morreu. Mas, desta vez, permanente e, como adiantou ontem ao Estado, por meio de medida provisória.

¿Não será tributo provisório. Não queremos saber mais da CPMF. Terá de ser um tributo permanente, todo voltado para a saúde e que não tenha de ser rediscutido¿, disse. E acrescentou: ¿Tem de ser sobre movimentação financeira. Porque, senão, não teremos como controlar a sonegação.¿

Mantega não definiu quando, mas a novidade pode sair na semana que vem. Seria um tributo voltado todo para a saúde, talvez com alíquota de 0,20%. O pacote a ser levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele, soma esforços de vários ministérios, ¿cada um encarregado de uma ou mais medidas¿.

O governo tinha, então, um plano B? ¿Nós sempre temos grupos estudando os vários assuntos, não ficamos esperando o problema aparecer¿, explicou. O ministro disse, ainda, que não se sente culpado pela derrota no Senado e esclareceu que os R$ 24 bilhões não são prejuízo para a saúde de um só ano, mas repartido em quatro anos.

Sobre o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que comandou o bloco contra a CPMF e chegou a reunir 1,3 milhão de assinaturas contra o tributo, Mantega ironizou: ¿Não sei o que ele está comemorando. O pacote de desoneração que vinha por aí ia reduzir a folha de pagamento para as empresas em 2% no primeiro ano e 1% em cada um dos três anos seguintes. Isso também foi levado junto com a CPMF, pois a desoneração agora tem de ser adiada.¿ A seguir, a entrevista:

O sr. se sente culpado pela derrota da CPMF no Senado?

No processo democrático você ganha e perde. Se for uma emenda constitucional, a chance de perder é maior. Não sei se há culpados ou inocentes. Se tem alguém que não errou, fui eu.

Mas muita gente disse que o sr. não quis fazer concessões...

O que aconteceu foi que uma minoria decidiu não negociar nem aceitar as concessões que fizemos. Podia relembrar aqui uma frase famosa do Winston Churchill e adaptar: ¿Nunca tão poucos conseguiram impor sua vontade a tantos. Veja, dos 34 senadores que rejeitaram, uma parte queria ter votado a favor da CPMF e aprovava o acordo.

Mas havia gente do outro lado, também, que era contra e votou a favor...

Eu não sei de nenhum caso assim.

Por que o governo só resolveu no último momento enviar aquela carta aceitando dirigir toda a CPMF para a saúde? Não podia ter feito isso antes?

Não foi na última hora. Nós já tínhamos sugerido isso em negociações de um mês antes. A proposta original já falava em colocar R$ 24 bilhões a mais na saúde.

Então, por que a carta do presidente? O que ela mudava de fato?

Como disse, aquilo já tinha sido oferecido há mais de um mês. O que eles queriam era um compromisso por escrito, uma garantia de que o governo cumpriria o que negociou. Essa última proposta era assim: 50% do arrecadado pela CPMF, menos a DRU, iria para a saúde. Eram R$ 4 bilhões em 2008, outros R$ 5 bilhões em 2009, mais R$ 6 bilhões em 2010 e R$ 9 bilhões em 2011 - a soma dá os R$ 24 bilhões. A carta, no último dia, mudava os valores. Iriam R$ 11bilhões, em em vez de R$ 4 bilhões, pra saúde em 2008, 13 bilhões em 2009 e 15 bilhões em 2010. Mas aí o líder do PSDB, Arthur Virgilio, dizia: ¿Ah, não vamos fechar, porque não confio no governo.¿ A única proposta que agradaria era acabar.

Mas originalmente os 100% já seriam da saúde...

Não. Vamos relembrar aqui que, quando a CPMF foi criada, no governo anterior, ela já era dividida. Sendo 50% para a saúde, 25% para a Previdência e 25% para o Fundo de Pobreza. Não fomos nós que criamos. E não era inteira para a saúde. Por isso, o ministro Adib Jatene tanto protestava. Ela foi prorrogada várias vezes, sempre com esse formato.

Que tipo de apoio faltou?

Nós tivemos apoio. A proposta foi encampada pelos governadores do PSDB e foi ampliada. O próprio governador José Serra, umas duas semanas atrás, numa conversa comigo, enfatizou: ¿Então vamos colocar tudo para a saúde.¿ Ficou acertado, porém, que não iríamos fazer tudo abruptamente. Tinha de ser gradual, chegando aos poucos até 2010. Pois a própria saúde não comporta receber de vez tanto dinheiro para gastar, ela não dá vazão. O governador Aécio Neves concordava, o Serra também. A gente se falava quase todo dia.

No Senado, porém, a negociação não andou...

Ali vimos que eles não queriam negociar. E pensamos: como vamos articular? A saída era trabalhar na base aliada e vencer no voto. E fomos atendendo a demandas da base aliada...

Que tipo de demanda?

Reduzir alíquota e não jogar na pessoa física, por exemplo. Mas percebemos que havia uma ala que era contra qualquer negociação. Eles queriam mesmo acabar com a CPMF.

Daqui para a frente, o que fazer?

Vamos atrás do prejuízo. Não há problema que não tenha solução. Já tivemos problemas mais difíceis do que este e encontramos solução. É claro que há um prejuízo, nitidamente para a saúde. Ela não vive sem a CPMF.

O que muitos cobram é que o aumento de arrecadação, este ano, já passou de R$ 70 bilhões, o que dá uma CPMF e meia...

E vocês acham que só sobe a receita e a despesa não?

Se se tomar conta, sobe menos.

O governo tem um aumento obrigatório de aposentadoria, o gasto com Previdência aumenta todo ano... Dos R$ 70 bilhões a mais, vão R$ 20 bilhões em transferências constitucionais para Estados e municípios, entre outros destinos. A arrecadação é dividida. Do que vem do Imposto de Renda e do IPI, 50% vai para os Estados. E já ficamos com R$ 20 bilhões a menos, que é o aumento do superávit primário. Ele tem de ser proporcional ao PIB. No fim das contas, há R$ 10 bilhões que ficam livres e ainda assim são R$ 2,5 bilhões para o PAC e outros R$ 2,5 bilhões para o Bolsa-Família e ajustes nos programas sociais. Significa que vamos ter de fazer cortes de gastos.

Os cortes ocorrem em um cenário em que as despesas correntes vêm aumentando muito acima do crescimento do PIB.

Não é um cenário negativo...

Na prática, quais medidas serão tomadas?

Temos de fazer vários ajustes, que estão sendo preparados. Vamos ter de aumentar alguns tributos.

Os tradicionais? IOF, CSLL?

Examinem os que estão à disposição. Quanto à saúde, temos de pensar em uma solução pra ela, que foi a grande prejudicada.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, contava com um total de R$ 88 bilhões para a saúde, dos quais R$ 64 bilhões vindos de várias fontes do Orçamento, mais esses R$ 24 bi da CPMF. Essa segunda parte morreu.

Sim, e a saúde não sobrevive sem recursos adicionais. É preciso pensar em outra medida no ano que vem, para suprir o que faltou. Mas agora não será tributo provisório. Não queremos saber mais de CPMF. Terá de ser um tributo permanente, todo voltado para a saúde e que não tenha de ser rediscutido. E tem de ser sobre movimentação financeira. Porque, senão, não teremos como controlar a sonegação.

Então, o papel de um tributo controlando a sonegação será restaurado?

Sim. Pois não é só a CPMF que nós perdemos. Com ela vinha muito mais Imposto de Renda, mais PIS-Cofins. Entre 2001 e 2007, o governo arrecadou mais R$ 40 bilhões graças a esse controle de movimentação financeira de empresas e cidadãos.

Há informações de que a alíquota do novo imposto ficaria em 0,20%. É isso mesmo?

Não posso comentar.

Por medida provisória?

É uma fórmula que exige maioria simples no Congresso.

Tem um prazo para apresentar tudo isso?

É para a semana que vem, não vou dizer o dia.

Já existia algum tipo de plano B para isso? Como preparar tudo em uma semana?

Nós fazemos todo tipo de estudo lá na Fazenda. Não podemos ficar esperando. Eu não tinha um plano B porque estava certo de que era possível chegar a um consenso. Nunca imaginei que ia prevalecer a posição radical das lideranças do PSDB. Que o DEM seja radical, tudo bem, é o papel deles. Mas do PSDB, francamente, não esperava.

Em que momento o sr. se deu conta de que a CPMF não ia passar?

Quando vi que, para qualquer proposta que a gente, fazia eles achavam problemas. Refiro-me ao líder Arthur Virgílio.

Mas ele não era o único a discordar da prorrogação. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, por exemplo, liderou uma campanha contra a prorrogação do tributo.

Não sei o que ele está comemorando. O pacote de desoneração que vinha por aí ia reduzir a folha de pagamento, para as empresas, em 2% no primeiro ano e 1% em cada um dos três anos seguintes. Isso também foi levado junto com a CPMF, pois a desoneração agora tem de ser adiada.

O empresariado e analistas do mercado, a seu ver, entendem dessa forma?

Veja que, depois que estávamos apresentando soluções para flexibilizar, gente como Raul Velloso e Mailson da Nóbrega estava a favor de aprovar. Então, quem foi derrotado? Agora acho que a oposição não está comemorando tanto. Ela está preocupada com a responsabilidade que assumiu pela não aprovação. Digo mais: que, no conjunto, estávamos construindo uma política industrial, que eu queria pôr em prática já. Além da diminuição na folha de salário, a redução do prazo para devolução do PIS-Cofins, que hoje é 24 meses. E reduzir o prazo para utilização do crédito, com depreciação acelerada. Era um bom conjunto, o maior pacote de medidas sobre o assunto.

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