Título: Venezuela deve entrar no Mercosul?
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2007, Nacional, p. A17

TV Estadão reuniu especialistas para discutir democracia, investimentos e diplomacia na América Latina

O comportamento agressivo do presidente Hugo Chávez cria instabilidades para a América do Sul e pode inibir investimentos no bloco, se a Venezuela entrar para o Mercosul, defendeu o cientista político Carlos Melo, professor de sociologia e política do Ibmec São Paulo. O Brasil não pode impor cláusulas políticas e ideológicas para escolher seus parceiros e a Venezuela tem sido um grande parceiro econômico do Brasil, contra-atacou o sociólogo Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo, no debate promovido quinta-feira pela TV Estadão.

Os dois defenderam, em comum acordo, no entanto, que os movimentos do tipo chavista são uma reação à secular exclusão de classes pobres na América Latina. ¿Os países têm de fazer reformas¿, cobrou Melo. ¿A afirmação democrática na América Latina vai ser definida por um processo de conflitos e de instabilidades¿, afirmou Fornazieri. Abaixo, os principais trechos do debate:

INGRESSO NO BLOCO

FORNAZIERI: Temos 1.600 quilômetros de fronteira com a Venezuela. Recentemente houve investimentos brasileiros de R$ 20 bilhões lá. E não há nenhuma ameaça, por parte do governo venezuelano, aos investimentos. Boa parte da indústria naval foi alavancada por compras do governo venezuelano. A Venezuela é, de fato, parceiro comercial. Se colocássemos cláusulas de ordem política e ideológica para definir parceiros, entraríamos em lógica absurda.

MELO: Os ambientes econômicos são baseados em instituições consolidadas, estáveis. Se você tem instabilidades, é natural, é do ser humano que haja retração. E há essa instabilidade quando a gente se refere à Venezuela. Até aqui não houve problemas com os investimentos brasileiros, mas há pouco tempo Chávez falou em estatizar os bancos espanhóis, por conta de um desacerto com o rei da Espanha. Eu não vejo essa garantia de que não terá instabilidades. E isso tende a inibir investimentos no Mercosul.

FORNAZIERI: A Venezuela não pode ser caracterizada como um regime ditatorial. Há um governo com viés autoritário, mas o próprio plebiscito demonstrou que não é uma ditadura. Tem voto universal, eleições periódicas e eleições competitivas, já que a oposição venceu as eleições. Estes três critérios, do ponto de vista da ciência política, são os que definem a democracia.

MELO: Simplesmente admitir a Venezuela no Mercosul traz risco muito grande. Minha observação não tem nada de ideológico, é pragmática, comercial. Você tem na Venezuela uma grande instabilidade. Que política podemos fazer? Podemos colocar o pé no freio e dizer: ¿Olha, não é o patamar de organização institucional democrática que nós, Brasil, queremos para a América Latina.¿

CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

FORNAZIERI: A cláusula democrática prevê condutas democráticas, assim como qualquer fórum internacional prevê a defesa da democracia. Uma coisa são defesas de princípios; outra são as relações efetivas e reais.

MELO: Na questão da cláusula, me parece que há dois aspectos a considerar. Primeiro, se a cláusula não serve para nada, vamos retirá-la. Mas, se serve para alguma coisa, vamos obedecer a ela e redefini-la.

JUSTIÇA VENEZUELANA

FORNAZIERI:Cabe à Venezuela encontrar a autodeterminação. Reconheço a necessidade de estabilidade das instituições políticas para um bom ambiente econômico. Agora, uma coisa é o desejo, outra coisa é a realidade. São séculos de exclusão, em que a face do liberalismo político apareceu como a face do privilégio. A afirmação democrática na América Latina vai ser definida por um processo de conflitos e de instabilidades, porque o ingresso das massas pobres, atores eleitorais novos, trará para o plano institucional conflitos antes colocados no plano social e no âmbito econômico.

MELO: Os países têm de fazer reformas. Vendo a derrota da CPMF dá para perceber o quanto ficou caro não fazer a reforma política. Temos de trabalhar com o conflito, mas no sentido de construir pactos. O movimento bolivariano tem sentido de existir, embora parta de agenda anacrônica. A formação do poder popular se assemelha aos sovietes, quer dizer, não se caminha para a formação de diálogos. Imagine o quanto isso atinge a racionalidade de um investidor. Cria-se instabilidade que não é salutar. A reforma do Judiciário que Chávez fez foi intervenção em outro Poder.

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