Título: Receita quer mecanismo novo contra sonegação
Autor: Filgueiras, Sonia
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2007, Nacional, p. A8
Sem imposto do cheque, Fisco busca solução pela Lei Complementar 105, que define regras para o sigilo das operações de instituições financeiras
Sem a CPMF a partir de janeiro de 2008, a Receita Federal vai criar um instrumento de fiscalização para ter acesso à movimentação bancária dos contribuintes e substituir o papel que o imposto de cheque cumpre hoje para farejar indícios de sonegação e evasão fiscal. Uma das principais armas do Fisco para pegar sonegadores, a CPMF garantiu nos últimos 5 anos que R$ 41 bilhões fossem cobrados de empresas e pessoas físicas que sonegaram ou pagaram indevidamente seus impostos.
No caso das pessoas físicas, metade das autuações - R$ 15 bilhões - foi feita a partir de informações sobre a movimentação financeira. No caso das pessoas jurídicas, a CPMF foi decisiva para autuações de R$ 26 bilhões, 13% do total de créditos tributários lançados contra empresas.
O secretário-adjunto da Receita, Paulo Ricardo Cardoso, afirmou ao Estado que o combate à sonegação poderá ficar enfraquecido sem a CPMF e o Fisco busca um caminho pela Lei Complementar 105, que trata do sigilo das operações de instituições financeiras, para criar outro instrumento de fiscalização.
¿A administração tributária vai buscar outra fonte de informação para substituir a que deixará de ter com o fim da CPMF¿, disse. O secretário-adjunto admitiu que o tributo é um dos instrumentos mais importantes contra a sonegação, mas não o único.
Segundo Cardoso, responsável pela área da fiscalização da Receita, foi com base no cruzamento de dados obtidos com informações de movimentação financeira que muitas operações do Fisco, da Polícia Federal e do Ministério Público desmantelaram, nos últimos anos, quadrilhas de fraudadores, sonegadores e do crime organizado.
A idéia da Receita é criar uma ¿Declaração de Movimentação Financeira¿ nos mesmos moldes em que foi instituída a Declaração de Operações com Cartão de Crédito (Decred), em julho de 2003. A Decred contém dados das compras feitas com cartão de crédito e é obrigatoriamente enviada à Receita pelas empresas administradoras.
MUNIÇÃO
A decisão da Receita dá munição a vários críticos da CPMF, para quem sua prorrogação não era necessária nem mesmo para fiscalização. Durante as negociações para prorrogar o tributo, seu caráter fiscalizador foi sempre levantado como prioritário pelo governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a acusar de sonegadores os que eram contrários ao imposto do cheque.
¿A CPMF é boa para fiscalizar a movimentação financeira, mas não é o único instrumento disponível¿, frisou o ex-secretário da Receita Everardo Maciel. Segundo ele, o artigo 5º Lei Complementar 105 também permite o acesso à movimentação. ¿Ele não foi usado na época porque nós já tínhamos a CPMF.¿
O artigo 5º diz que o Executivo ¿poderá disciplinar, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços¿. Segundo Maciel, o governo poderá instituir a nova declaração com uma instrução normativa e um decreto presidencial. ¿A Receita também precisará fazer algum tipo de arranjo no modelo de informática.¿
A virtude fiscalizatória da CPMF permitia a identificação de indícios de irregularidades pelo simples cruzamento de bancos de dados. Com os dados obtidos a partir do tributo, a Receita conseguia selecionar listagens de contribuintes suspeitos em questão de dias. Sem as informações, dizem tributaristas experientes, a demora aumentará para dois ou três meses.
LARANJAS
O processo era simples: comparava-se a movimentação financeira dos correntistas com outros elementos, como o faturamento da empresa, o rendimento declarado pelo contribuinte e o total de tributos pagos. A incompatibilidade entre eles tornava o contribuinte um suspeito de sonegação. As informações derivadas da CPMF eram especialmente eficientes na identificação de transferências de lucros não declarados entre empresas e seus sócios e na localização de laranjas.
O fim do tributo também é um golpe para a Controladoria-Geral da União (CGU), que tem entre suas principais tarefas a investigação de funcionários públicos corruptos. ¿Há enorme prejuízo para os trabalhos da CGU e demais órgãos de investigação e controle, porque a CPMF tem esse efeito extrafiscal, que permite identificar movimentações financeiras incompatíveis com a remuneração de agentes públicos¿, alega o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage.
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