Título: Arranjo salva COP do fracasso
Autor: Amorim, Cristina
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2007, Vida&, p. A36

No entanto, impasse entre Estados Unidos e G-77 acabou por abrir caminho para sucesso da negociação

Os olhos de milhões de pessoas estavam voltados para a ilha de Bali ontem, à espera de ações firmes de seus governantes sobre um novo e sólido regime para combater o aquecimento global. Ainda assim, a 13ª Conferência do Clima (COP-13) esteve próxima do total fracasso. A reunião foi salva por uma série de acertos, alguns abertos e outros não, e jogadas diplomáticas que estavam mais para os blefes altos do pôquer do que para a estratégia do xadrez.

Ministros e altos delegados de 190 países passaram as últimas duas semanas trabalhando em cima de um ¿mapa do caminho de Bali¿, documento com diretrizes de intenções até 2009. Nesta data, um novo acordo precisa ser obtido, com medidas muito mais drásticas para controlar o efeito estufa do que as observadas até o momento.

O mapa é construído em dois ¿trilhos¿, que precisam se encontrar no final do período de negociação, fim de 2009 (veja ilustração ao lado). O primeiro é o do Protocolo de Kyoto, que congrega países ricos que seguem metas nada ambiciosas de corte em suas emissões de gases-estufa. Os integrantes precisam acordar reduções mais profundas. No segundo caminho estão os demais: Estados Unidos, que apesar de ricos não ratificaram Kyoto, e nações em desenvolvimento.

Acontece que qualquer regime internacional futuro de controle de emissões precisa integrar os Estados Unidos - maiores emissores globais (ainda que, no momento, disputando a posição com a China) e maior economia do mundo. O presidente George W. Bush, apesar de perto de deixar a Casa Branca, é contrário a essa política.

Pois foram justamente impasses entre Estados Unidos e G-77 que adiaram o fim da conferência por um dia e, por pouco, colocaram todo o ¿mapa do caminho¿ no lixo. Ironicamente, foi o impasse que levou o G-77 a se unir, obter apoio da União Européia e do Japão e vencer a disputa que se colocou na plenária.

GAFE DIPLOMÁTICA

Por duas vezes, na manhã de ontem, o presidente da conferência, o chanceler indonésio Rachmat Witoelar, cometeu a gafe diplomática de abrir a plenária de votação do texto (que só é aceito por consenso) sem a presença do presidente atual do G-77, o Paquistão, que conduzia negociações fora da sala.

O fato levou a China a usar palavras duras. Seu delegado insinuou que Witoelar e o secretário-executivo da Convenção do Clima, Yvo de Boer, ambos já acusados de pouco incisivos nas duas semanas anteriores de COP-13 , jogavam contra os países em desenvolvimento. ¿Não tenho certeza se o secretariado é nosso secretariado e quero um pedido de desculpas.¿ Boer negou conhecimento sobre a reunião paralela e, chorando, deixou a sala.

Alguns minutos antes, marcharam pelo centro de convenções onde acontecia a conferência o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, e o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono. Moon, que estava no Timor-Leste, foi convencido por seu emissário especial, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, a voltar para Bali e salvar o mapa.

Caso contrário, o secretário-geral arcaria com o fracasso de uma reunião sob a qual havia grande expectativa - e sobre tema que ele elencou como prioridade mundial. Uma vez que havia impasse, o retorno a Bali seria menos custoso frente à sociedade do que a ausência. ¿Chegou a hora de tomar uma decisão¿, disse à platéia.

¿A presença do secretário-geral e do presidente do Paquistão energizaram a sala. Os humores explodiram quando os dois entraram na sala¿, disse Boer. Foi o sinal para que G-77 deixasse suas diferenças internas e insistissem em um texto comum. O grupo desejava que, além de ações mensuráveis dos países em desenvolvimento, também mensurável seria a ajuda fornecida pelos países ricos.

Os Estados Unidos disseram que bloqueariam o texto, mas seguidos discursos contra a posição americana pelos membros do G-77, além de União Européia e Japão, isolaram o país. ¿Nunca fomos tão longe em nosso comprometimento¿, afirmou o ministro sul-africano de Assuntos Ambientais, Marthinus van Schalkwyk. Nem Canadá e Austrália, que nas negociações estavam alinhados, se posicionaram a favor do veto.

Enquanto manifestações se acumulavam, um assessor falava diretamente com a Casa Branca. Jornalistas jogavam na internet os primeiros informes da oposição americana. O isolamento deu resultado. ¿Ouvimos o que muitos de nossos colegas aqui disseram ao longo dessas duas semanas, mas especialmente o que foi dito nesta sala hoje. Vamos continuar e nos unir ao consenso¿, disse a delegada americana Paula Dobriansky. O texto do mapa foi então aprovado, sob palmas.

NOTA DE RODAPÉ

Apesar do último dia apoteótico, os delegados se comportaram durante as duas semanas de duração da COP-13 como se não tivessem lido os três volumes científicos divulgados neste ano pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), aceitos em plenária pelas mesmas pessoas. Segundo o grupo, formado por milhares de cientistas de todo o mundo, as atividades humanas são responsáveis pelas mudanças climáticas, ações urgentes devem ser tomadas e o controle não só é possível quanto é menos custoso do que a inação.

¿Nossa missão é entregar o melhor da ciência sobre o tema. Esse texto dá rumo suficiente para as partes saberem como reduzir suas emissões¿, disse Leo Meyer, integrante do IPCC que acompanhou a reunião.

¿O mapa do caminho é um documento básico para mostrar a gravidade do assunto¿, explica o embaixador Everton Vargas, que chefiou a delegação brasileira na reunião. Ele foi o responsável por incluir referências ao trabalho do IPCC como nota de rodapé no texto. ¿Foi uma forma engenhosa de ligar o trabalho científico à urgência da situação.¿

As organizações não-governamentais têm outra visão. Eles comemoram que algum resultado saiu de Bali, e recebem bem a notícia de que os países em desenvolvimento se comprometeram com reduções mensuráveis e verificáveis, ainda que internas. Mas lamentam o comprometimento fraco apresentado pelos países ricos.

¿O IPCC recebe o Prêmio Nobel da Paz em um dia e vira um pé de página na Convenção do Clima¿, destaca Marcelo Furtado, coordenador de campanhas do Greenpeace Brasil. ¿O que ficou acertado no texto deixa o tema para que o próximo presidente dos Estados Unidos faça uma contribuição real para controlar as mudanças climáticas perigosas', diz Hans Verolme, diretor do programa de clima da WWF Global.

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