Título: Inflação é a maior ameaça em 2008
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2007, Economia, p. B4

Maioria dos analistas prevê crescimento semelhante ao deste ano, mas demanda aquecida pode pressionar os preços

A inflação é a principal pedra no caminho da continuidade do crescimento de 5% que se está iniciando em 2007. Os números surpreendentes do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, que apontaram uma expansão de 5,2% nos 12 meses até setembro, estão provocando uma onda de otimismo em relação à economia brasileira, e já há vários economistas achando que o ritmo de 2007 pode se manter em 2008 e por mais alguns anos. O céu parece claro, mas não totalmente desprovido de nuvens. A pior delas, no momento, é formada pelas pressões inflacionárias, que vêm de carona na demanda aquecida, que em 2008 deve crescer de 6,5% a 7%, segundo previsões do mercado.

Embora a média das projeções de bancos e consultorias aponte um IPCA (índice oficial de inflação do País) de 4,08% em 2008, e uma Selic, a taxa básica de juros, determinada pelo Banco Central (BC), de 10,41% no final do ano que vem (hoje ela está em 11,25%), as taxas embutidas nas operações do mercado financeiro indicam um cenário muito pior. Como explica um experiente operador, a inflação de 2008 implícita na comparação entre os títulos com juros totalmente prefixados e aqueles que pagam a inflação mais juros (que permite, portanto, que se deduza qual a inflação que o mercado espera), estava em 4,9% na sexta-feira - acima, portanto, do centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%.

O mais assustador, porém, era que os contratos que trocam taxas prefixadas por taxas atreladas à rentabilidade diária da Selic - e que, desta forma, embutem uma projeção futura da taxa básica - indicavam que esta chegaria a 13,15% no fim de 2008, o que significa um aumento de 1,9 ponto porcentual durante 2008.

Essas taxas implícitas nos contratos financeiros não devem ser tomadas como uma indicação precisa e 100% segura, já que flutuam muito ao sabor das emoções dos mercados e podem ser influenciadas por fatores técnicos. Ainda assim, como nota aquele operador, ¿o mercado acredita nelas, porque se não fosse assim, haveria apostas no sentido contrário que fariam com que a taxa mudasse para um nível compatível com as expectativas¿.

Não há nenhum economista prevendo altas da Selic daquela magnitude em 2008, e, para a corrente desenvolvimentista, a preocupação com inflação é exagerada e pode comprometer o novo ciclo de desenvolvimento, caso o BC eleve as taxas de juros. Até um economista como Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos e ex-diretor do BC - insuspeito de ser heterodoxo - acha que um excesso de alarme inflacionário pode ser prematuro. Ainda assim, o que conta é o que pensa o Banco Central. E a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada esta semana, dá claras indicações de que o BC já cogita subir a taxa básica mais à frente se as pressões inflacionários se intensificarem.

Além da inflação, outras incertezas nas perspectivas basicamente róseas da economia brasileira vêm do cenário externo, no qual os Estados Unidos são a preocupação principal. A China também desperta alguns temores. Em ambos os países, a inflação está escapulindo para além da faixa confortável para os respectivos bancos centrais. No Brasil, o fim da CPMF, a possibilidade de queda no superávit primário e problemas no front fiscal incomodam alguns, mas preocupam surpreendentemente pouco a maior parte do mercado (leia abaixo).

Apesar das pedras no caminho, a maior parte dos analistas acha que 2008 deve repetir o bom desempenho econômico de 2007 ou ao menos chegar perto. Uma das razões é que a economia já está embalada, e os problemas teriam de acontecer ainda no primeiro semestre, ou ter uma intensidade muito forte (caso ocorram mais adiante), para descarrilá-la a ponto de que a expansão já em 2008 seja substancialmente prejudicada.

¿Um transatlântico como o Brasil não muda de rumo tão rápido¿, diz Goldfajn. Ele nota que o atual ciclo de crescimento é sólido, com aumento do consumo e dos investimentos, o que faz com que seja alta a possibilidade de um crescimento relativamente bom em 2008 - ele projetado em algo entre 4% e 4,5%.

O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, estrategista da Quest Investimentos, é ainda mais otimista. ¿Vamos crescer 5% de novo em 2008¿, prevê. Mendonça nota que, por uma questão de médias estatísticas, mesmo que o PIB não se expandisse no próximo ano, 2008 registraria um ¿crescimento¿ de 2,5% - o chamado ¿carregamento¿ de 2007. ¿Só que isso não vai ocorrer, é claro, já que ainda estamos acelerando¿, diz ele.

É essa pujança da economia, justamente, que está acendendo o sinal amarelo no front inflacionário. A inflação subiu em 2007 para 4,02% (projeção média do mercado para o ano), comparado com 3,14% em 2006. Quando se decompõe o IPCA nos dois principais tipos de preços, fica claro que as pressões estão vindo de todos os lados, como nota Alexandre Schwartsman, economista-chefe do ABN Amro para a América Latina e ex-diretor do BC.

Os produtos não negociáveis internacionalmente (¿non-tradeables¿) tiveram inflação em 12 meses de 3,7% até janeiro de 2007, que subiu para 5,9% em novembro. No mesmo período, a inflação dos negociáveis internacionalmente (¿tradeables¿) saiu de 1,20% para 4,1%. Os ¿non-tradeables¿ são influenciados basicamente pela demanda nacional e, como o nome diz, têm a desvantagem de não serem afetados pela oferta externa.

Schwartsman observa, porém, que preços dos tradeables também aceleraram, mesmo tendo recebido o impacto antiinflacionário das importações crescentes puxadas pelo câmbio valorizado. Em janeiro, a taxa acumulada em 12 meses estava em 1,20%, e em novembro já havia saltado para 4,1%. Isso apesar de uma valorização de 15% do câmbio, de R$ 2,11 na média do primeiro trimestre para R$ 1,75 na média do último. Uma das razões que atenuam a âncora cambial é o fato de que o real não repetiu ante outras moedas importantes, como o euro, a forte valorização em relação ao dólar. A outra razão é a inflação mundial, que puxa para cima o preço de matérias primas e alimentos, e, via importações, neutraliza parte do efeito antiinflacionário da valorização cambial.

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