Título: Inferno tributário
Autor: Panzarini, Clovis
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2007, Economia, p. B2

O Brasil não é apenas, entre os países emergentes, o campeão de carga tributária. É também imbatível no campeonato mundial de complexidade do sistema tributário.

Recente estudo publicado pela Price Waterhouse & Coopers (PWC) e pelo Banco Mundial (Paying Taxes 2008 - The Global Picture) faz interessante análise dos sistemas tributários de quase todos os países do planeta e evidencia que o sistema tributário brasileiro é o mais complicado do mundo.

Um dos indicadores considerados para a aferição da complexidade dos sistemas - o tempo médio despendido pelo contribuinte para o cumprimento de suas obrigações fiscais - põe o Brasil na 177ª posição entre os 177 países pesquisados! As empresas brasileiras gastam, em média, segundo o estudo, 2.600 horas/homem/ano para cumprir todas as suas obrigações fiscais. A Turquia é outro país em que se gastam mais de 2 mil horas nessa atividade. Os turcos perdem 2.085 horas. No terceiro pior país da lista, Camarões, se gastam 1.400 horas. Além desses países, apenas em Belarus, Armênia, Nigéria, Bolívia e Vietnã se levam mais de mil horas por ano para pagar impostos. O estudo mostra que na Índia, por exemplo, são gastas, em média, apenas 271 horas/homem/ano - pouco mais de um décimo do tempo exigido no Brasil - para o cumprimento das obrigações fiscais, o que a coloca no mesmo patamar da média de horas exigidas nos países do grupo G-8 (254 horas) e da União Européia (257 horas).

Metade das horas despendidas para o cumprimento das obrigações fiscais no Brasil, aponta o estudo, é demandada pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), esse imposto estadual que tem sido o principal indutor dos debates sobre a cada vez mais distante reforma tributária.

A qualidade dos impostos no Brasil ofende mais a competitividade da economia do que a própria magnitude da carga tributária, que é equivocadamente entendida por muitos como a principal razão para uma reforma.

Além de extremamente complexos - como evidenciou o estudo da PWC -, os tributos no Brasil são injustos, ineficientes e pouco transparentes (sendo o menos transparente deles a agonizante CPMF que, escondida no preço das mercadorias, tungava R$ 40 bilhões por ano do orçamento familiar).

A complexidade do sistema faz com que os custos da ¿compliance¿ sejam, muitas vezes, mais gravosos do que o próprio valor do imposto recolhido. Acrescente-se a isso as demais distorções - como as decorrentes da guerra fiscal, que gera insegurança jurídica e violência contra a competição, e da cumulatividade, que existindo mesmo nos insuspeitos tributos ¿não-cumulativos¿, como o ICMS, erode a competitividade das empresas brasileiras - e temos um panorama tétrico do nosso sistema.

Empresários, contribuintes e a população em geral clamam pela reforma tributária, pois todos sofrem com os absurdos do sistema, mas poucos têm perfeita noção dos contornos políticos que devem ser observados e dos aspectos técnicos que devem orientar um novo modelo, mais racional e eficiente. Destarte, as sucessivas propostas de reforma tributária não saem do papel porque, agredindo o pacto federativo, são politicamente inviáveis ou porque são tecnicamente frágeis e acentuam ainda mais as distorções que pretendem mitigar.

A inserção na Constituição de 1988 do comando que prevê a sua revisão após cinco anos da data da promulgação, por voto de maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional - menor do que o necessário para aprovação de Emenda Constitucional, que exige três quintos daqueles votos -, teve por motivação básica as incertezas da eficácia do sistema tributário que então se aprovava.

Assim, desde 1993 o sistema tributário vem sendo alvo de assédio dos reformadores. Remédios de toda espécie têm sido oferecidos para a cura do nosso doente modelo, quase todos anunciados como panacéia, sendo muitos deles verdadeiras ¿garrafadas¿, daquelas que prometem curar desde complexidade até injustiça distributiva. Até a substituição de todos os tributos por uma ¿super CPMF¿, com alíquota de 7% ou 8% (teria de gerar 20 vezes mais receita do que a CPMF, que rendia R$ 40 bilhões/ano com a alíquota de 0,38%), tem sido defendida por ingênuos contribuintes ou economistas de insuspeita estatura intelectual.

Todas as propostas de reforma tributária têm dirigido o foco na revisão do ICMS, o que vem ao encontro do resultado da pesquisa da PWC, que aponta o ICMS como responsável por mais de metade das horas consumidas para o cumprimento das obrigações fiscais.

A última proposta de reforma tributária, ainda não formalizada, gestada pelo governo federal e coordenada pelo secretário Bernard Appy, do Ministério da Fazenda, prevê a substituição de todos os tributos indiretos por dois Impostos Sobre Valor Agregado (IVAs) - um federal e outro estadual - incidentes sobre a mesma base e com a adoção de princípios mais modernos de tributação. Dentre as mudanças propostas se destacam a incorporação de todos os serviços, inclusive aqueles hoje submetidos ao Imposto Sobre Serviços (ISS), que desapareceria, e a adoção do princípio de destino para o IVA estadual, o atual ICMS, que responde por mais de 20% da carga total e é um dos principais responsáveis pela confusão tributária.

Essa proposta, que traria alguma racionalidade ao sistema, parece já estar politicamente inviabilizada, pois os prefeitos municipais não querem perder o ISS e os Estados perdedores de receita com o novo modelo, por razões óbvias, se posicionam contrários às mudanças. Porém não é só a qualidade e a magnitude dos tributos que representam problema no Brasil. O Fisco de todas as esferas de governo quase sempre considera - e trata - todo contribuinte como potencial sonegador, o que torna o calvário a ser percorrido para o cumprimento das obrigações tributárias cada vez mais insano. Só quem é contribuinte sabe quão dolorosa é a dependência de carimbos e vistos, cuja ausência paralisa linhas de produção, bloqueia transporte e armazenagem e desemprega trabalhadores. Mas não há reforma tributária que resolva isso; só uma reforma de mentalidades. Tanto do mau contribuinte quanto do diligente Fisco.

*Clóvis Panzarini, economista, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, é sócio-diretor da CP Consultores Associados Ltda. Site: www.cpconsultores.com.br Ribamar Oliveira está em férias.

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