Título: Bolívia prepara maratona de eleições
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2007, Nacional, p. A13
Referendos devem decidir texto final de Carta, revogação de mandatos e grau de autonomia de departamentos
Santa Cruz de La Sierra, Bolívia - Oposição e governo começavam a trabalhar ontem nos trâmites para a convocação de nada menos que quatro referendos decisivos para o futuro político da Bolívia. Nos departamentos opositores de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, as autoridades locais preparavam-se para iniciar o processo de coleta de assinaturas para pedir consultas populares sobre as autonomias regionais. Pela lei boliviana, são necessárias firmas de pelo menos 8% dos eleitores da região.
Em La Paz, o Congresso analisa o projeto da nova Constituição entregue pela Assembléia Constituinte aos deputados na sexta-feira. Segundo o vice-presidente Álvaro Garcia Linera, nas próximas semanas o Legislativo deve convocar um referendo sobre um artigo que trata da concentração de terras. Os bolivianos terão de decidir qual será o limite máximo para uma propriedade no país: 5 mil hectares ou 10 mil. Para a oposição, a tentativa de impor o limite é uma agressão à propriedade privada.
A convocação de uma terceira consulta sobre todo o texto da Constituição, elaborado por parlamentares governistas numa manobra política que excluiu os opositores, ocorrerá após uma decisão sobre esse artigo - o que deve levar mais de três meses. Segundo uma pesquisa divulgada ontem, 48% dos bolivianos consideram a Carta ¿ilegal¿, enquanto 35% acreditam que ela é ¿legal¿.
O quarto referendo tratará da revogação dos mandatos do presidente Evo Morales e dos governadores dos departamentos. Proposto por Evo como um desafio aos governadores opositores, ele foi aprovado na Câmara dos Deputados no sábado e ontem começou a tramitar no Senado. ¿Nunca houve tantas consultas populares no país¿, diz o cientista político Carlos Cordero. ¿Isso em grande parte ocorre porque a Bolívia passa por um momento decisivo. Mas o excesso de polarização impede que as classes políticas dialoguem.¿
O referendo seria a alternativa para romper o impasse.
Além disso, a participação direta nas decisões do Estado é uma demanda da população boliviana, que tem no engajamento uma de suas características mais marcantes. Na Bolívia, ao menor sinal de polêmica, as organizações sociais, associações de bairro e entidades profissionais logo tratam de organizar passeatas, invasões, greves e bloqueios de estradas.
¿O engajamento em geral é saudável para uma democracia, mas esse tipo de reação tem sido paralisante no campo político e institucional, além de prejudicar o a economia boliviana¿, diz o cientista político Johnny Villaroel, da Universidade Maior de San Andrés. ¿Os referendos são uma solução saudável para esse problema porque transformam-se em alternativa à violência e outras medidas de força.¿
Um exemplo foi o que ocorreu nos departamentos opositores, que algumas semanas atrás ameaçavam declararem-se autônomos unilateralmente em comícios populares. A decisão de levar o tema à consulta popular abafou ao menos temporariamente as tensões na região.
Agora, a população dos quatro departamentos decidirá nas urnas pela adoção ou não dos estatutos autonômicos, que ampliam a independência desses departamentos do governo central em questões administrativas e tributárias. Após a coleta das assinaturas, os referendos precisarão ser aprovados pelo Congresso Nacional, no qual o governo tem maioria.
¿Se houver problemas (para aprovar os referendos no Congresso), pensaremos numa alternativa, como a convocação ser feita pelo governador¿, disse ao Estado Carlos Dabdoub, secretário de autonomias do Departamento de Santa Cruz.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cada consulta tem o custo de US$ 7 milhões.
VOTAÇÕES EM SÉRIE
Autonomia: Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija querem submeter a referendo estatutos de autonomia apresentados no sábado. Consultas têm de ser aprovadas pelo Congresso, após envio de abaixo-assinado com pelo menos 8% dos eleitores inscritos em cada região
Propriedade: População decidirá se latifúndio terá 5 mil ou 10 mil hectares. Tema vai a referendo antes de consulta sobre texto completo da nova Constituição. Depois de aprovado pelo Congresso, deve ocorrer em até 120 dias
Constituição: Após inclusão de artigo sobre latifúndio, Carta terá de ser aprovada pelo Congresso para ser submetida à consulta popular - depois de mais 120 dias
Cargos: Evo e governadores submeterão seus mandatos a referendo revogatório. Depois de aprovado na Câmara, projeto tramita agora no Senado
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