Título: Desunidade de comando
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2007, Notas e Informações, p. A3

U m princípio elementar de administração é a chamada unidade de comando. Superada a fase prévia do processo de tomada de decisões - durante a qual as divergências são bem-vindas porque abrem o leque de alternativas - e feita a escolha da direção a seguir, a execução do que foi decidido deve ser firme, não comportando ambigüidades. O rumo é um só. Isso vale para os governos, para o maestro diante da orquestra, para o técnico de futebol: dada a voz de comando, não cabem mais divergências. Justiça se faça, no primeiro mandato do presidente Lula, se prevaleceu uma certa unidade de comando no campo essencial da política econômica - a partir do reconhecimento explícito dos avanços obtidos no governo anterior -, deveu-se ela às características de atuação e liderança do ex-ministro Antonio Palocci, antes que se descobrissem seus demônios internos. Mas de lá para cá, embora a intuição e a incontestável força da popularidade presidencial tenham, algumas vezes, suprido em parte os entreveros entre ministros, o que se assiste na administração federal é o ruído típico de um saco de gatos, com sons que nunca se harmonizam.

Desde domingo, entre alternadas reprimendas e afagos presidenciais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defende idéias rigorosamente opostas às do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Mantega voltou a cogitar da criação de um tributo federal para compensar a perda de receita resultante do fim da CPMF a partir de janeiro. Disse ele - antes de embarcar em Montevidéu, com o presidente Lula, de volta ao Brasil - que esse tema e também o projeto de reforma tributária serão analisados pelo governo no início de 2008. Enquanto isso, o ministro Bernardo afirmava, com toda a ênfase, que a criação de um tributo nos moldes da CPMF 'não está prosperando' e não faz parte dos debates oficiais sobre a reforma tributária - porque esse projeto, insistiu, está concentrado na criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

Ainda que mal se pergunte: aonde será que estão tendo lugar esses 'debates oficiais' sobre a reforma tributária, no âmbito ministerial? Será que os Ministérios da Fazenda e do Planejamento o fazem de maneira inteiramente isolada um do outro - sem nunca terem usado, para maior comodidade de seus especialistas, algum simples mecanismo de videoconferência que os possa conectar? Parece que não, pois enquanto uns dizem alhos, outros repetem bugalhos - e a informação à opinião pública queda em frangalhos... E o clima entre as duas áreas 'adversárias' do mesmo governo às vezes chega ao azedume.

Segundo a equipe de Mantega, o ministro Paulo Bernardo teria piorado a relação com a oposição - e dificultado muito as coisas para o governo, no caso em pauta da votação em segundo turno da Desvinculação de Receitas da União (DRU) no Senado - por ter feito seguidas declarações públicas sobre a necessidade de cortes nas emendas parlamentares e sobre aumento de tributos para compensar a perda dos R$ 40 bilhões da CPMF. O ministro do Planejamento, de fato, sugeriu a eliminação, pura e simples, das emendas coletivas dos parlamentares ao orçamento - e os senadores do DEM e do PSDB reagiram, classificando essas declarações como uma chantagem inadmissível.

Por sua vez, a equipe de Bernardo atribui o desgaste político, proveniente da perda da CPMF, à forma 'atrapalhada' como Mantega conduziu as negociações com os políticos. Certamente referiu-se às idas e vindas, ameaças e até chantagens, usadas como estratégia (de fato desastrada) para convencer senadores da oposição ou da base governista a prorrogar a CPMF. E aí não poderia estar fora a estapafúrdia idéia de ressuscitar a CPMF por Medida Provisória - revelada em entrevista exclusiva a este jornal, gravada, mas depois desmentida pelo entrevistado (para variar) como 'interpretações' errôneas da imprensa.

O ministro Paulo Bernardo afirma que as alternativas existentes para remediar a perda de receita causada pela extinção da CPMF devem ser discutidas entre o Executivo e o Legislativo, em busca de 'um ponto de equilíbrio'. Mas primeiro é preciso que os dois principais ministros da área econômica cheguem, eles próprios, não a um ponto de equilíbrio, mas a um entendimento básico.

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