Título: Esvaziado, órgão sofre com descaso
Autor: Nossa, Leonencio, Tosta Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2007, Nacional, p. A4

Ex-presidentes da Comissão reclamam da demora em indicar integrantes

Criada para zelar pela conduta ética na alta administração federal, a Comissão de Ética Pública vive um esvaziamento, apesar da tarefa de monitorar e aconselhar mais de 1.600 autoridades e servidores de ministérios, autarquias, secretarias e outros órgãos federais. Há anos, a Comissão não consegue funcionar com a totalidade de suas vagas preenchidas. Hoje, somente cinco dos sete cargos estão ocupados. Há algumas semanas, eram apenas quatro.

A responsabilidade pelas vagas em aberto recai sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encarregado de nomear substitutos quando um membro deixa o cargo. No meio de 2006, por exemplo, a jurista Carmen Lúcia Antunes da Rocha trocou a Comissão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A cadeira ficou vazia até o último dia 4, quando Lula finalmente conduziu ao posto o ministro aposentado do Supremo, Sepúlveda Pertence.

Outras duas posições continuam desocupadas. Uma delas pertencia ao ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Neves, cujo mandato terminou em junho passado. A outra foi criada por Lula em fevereiro, no decreto que instituiu o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal. Com isso, a Comissão foi encarregada de coordenar o conjunto de comissões éticas do governo e gerenciar iniciativas na área, ganhando, assim, mais um assento. A posição, entretanto, não foi preenchida.

Com somente quatro integrantes até pouco tempo atrás, a Comissão julgou que seria inadequado definir posições de comando. Assim, o ex-ministro da Economia Marcílio Marques Moreira ocupa interinamente o cargo de presidente. A secretária-executiva, Júlia Castro, também exerce a função na condição de substituta.

Criada no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Comissão de Ética Pública conta com Orçamento de R$ 280 mil e se reúne mensalmente para avaliar eventuais infrações ao Código de Conduta da Alta Administração Federal.

O colegiado, entretanto, nem sempre consegue quórum para deliberações. As reuniões mensais às vezes se chocam com a agenda profissional de alguns dos poucos membros - eles não podem manter vínculo com o governo e não são remunerados pela função.

`DESCASO¿

Entre os que já comandaram a Comissão, a cientista política Maria Victoria Benevides se diz inconformada. ¿É imperdoável o descaso do Executivo, de não dar a atenção devida ao trabalho da Comissão, a começar por indicar as pessoas para as vagas¿, afirma Maria Victoria, que diz buscar explicação no fato de a Casa Civil - à qual a Comissão está submetida - sofrer de um excesso de atribuições.

¿Seria muito importante que o governo preenchesse essas vagas, primeiro para assegurar que tenha quórum e, segundo, para mostrar publicamente um compromisso com o cumprimento do código¿, completa João Geraldo Piquet Carneiro, primeiro presidente do órgão, ainda na gestão FHC.

Maria Victoria avalia que a demora nas nomeações tende a provocar, por exemplo, um desestímulo da equipe. Mais grave, pode abalar a credibilidade do órgão. ¿Minha maior preocupação é essa¿, afirma, ao ressaltar que a credibilidade pessoal dos membros do órgão é que impede que isso ocorra.

O presidente Lula, segundo ela, jamais fez uma consulta à Comissão, apesar de essa ser uma das principais atribuições do grupo. ¿Fico desolada, porque, justamente, a questão ética é cada vez mais importante e cada vez mais reclamada pela opinião pública¿, acrescenta.

RESISTÊNCIA

Além de lidar com os cargos vagos, a Comissão enfrenta constantemente a resistência de autoridades. O caso mais recente envolve justamente Carlos Lupi (Trabalho). Em sua defesa, ele alega que Lula sempre esteve ciente de sua condição de dirigente partidário. A pedido dele, o caso agora está na Advocacia-Geral da União.

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, também já bateu de frente com a Comissão.

¿Com aquela quantidade de compromissos pessoais, shows e tal, mais de uma vez esse problema bateu na Comissão de Ética. Mas o próprio ministro diz: eu só assumi o ministério com o compromisso de manter minha carreira¿, cobra Maria Victoria. ¿Se um ministro bate o pé, fica por isso mesmo¿, completa a ex-presidente do órgão.

Outro exemplo durante o governo Lula é o da ex-ministra Benedita da Silva, que antes de ser demitida por pagar com recursos públicos uma viagem religiosa ao exterior, contestou sucessivamente as recomendações da Comissão de Ética.

¿Se ela tivesse acatado a sugestão de devolver o dinheiro, teria morrido o assunto¿, relembra Piquet Carneiro.

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