Título: 'Ninguém é obrigado a ser ministro'
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2007, Nacional, p. A5

Para ele, postura de Carlos Lupi, que resiste a deixar presidência do PDT, ameaça todo o sistema de ética da administração

O presidente interino da Comissão de Ética Pública, Marcílio Marques Moreira, diz que a demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em nomear integrantes do órgão tem resultado em um quadro de sobrecarga dos atuais membros e, em alguns casos, dificulta a tomada de decisões por falta de quórum. Apesar de manter um discurso conciliador em relação ao Planalto, ele avalia que seria possível aumentar investimentos, já que, atualmente, apenas uma dezena de pessoas zela pela conduta ética de mais de 1.600 servidores.

Nesta entrevista ao Estado, Marcílio se opõe ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que passou a questionar a competência da comissão desde que lhe foi recomendado afastar-se da presidência do PDT para se manter no comando da pasta. Para ele, o ministro põe em risco não apenas o órgão, mas todo o sistema de gestão ética do governo federal.

A estrutura de que comissão dispõe hoje é suficiente ou o governo deveria investir mais?

Acho que seria possível investir mais. Temos 10 pessoas, no máximo, e mais de 1.600 pessoas para fiscalizar. A cada nomeação, o nomeado tem de enviar no prazo de dez dias uma declaração confidencial de informações, que não só inclui a parte patrimonial, mas às vezes exige que façamos a análise de parentescos para evitar nepotismo, já que uma das regras que têm sido seguidas é a do nepotismo até quarto grau.

A comissão tem conseguido cumprir todas as suas atribuições?

A comissão nunca encontrou um obstáculo como esse agora, com o ministro Carlos Lupi. Mas ministros e outras autoridades sempre reclamam e nunca ficam satisfeitos quando a comissão pede para devolver um presente, por exemplo.

Esses casos ocorrem com muita freqüência?

Sim. Mas isso é um ponto pacificado na comissão. Qualquer presente acima de R$ 100, a não ser que tenha ocorrido em casos especiais, como em trocas com autoridades no exterior e não tenham valor comercial, tem de ser devolvido ou encaminhado a instituição beneficente ou ao Tesouro.

O sr. avalia que os membros do Executivo no governo Lula têm sabido respeitar o Código de Ética?

O último decreto do presidente que consolidou o sistema de gestão ética reforçou, em seu artigo 15, que qualquer autoridade que assume cargo tem de fazer um compromisso solene de acatamento ao código.

Mas se a comissão faz muitas advertências não significa que o código tem sido ferido com freqüência?

A comissão supervisiona mais ou menos 1.600 pessoas. É natural que isso ocorra. Aliás, o decreto que citei inclusive determina que as autoridades, antes de tomar posse, consultem a comissão. Foi o caso do ministro Mangabeira Unger. Ele representava uma empresa de telecomunicações no exterior e teve de abrir mão. Temos tido muitas consultas por parte dos ministros, inclusive sobre cumulação de cargos partidários.

Há vontade das autoridades de evitar o conflito de interesses?

Um dos pontos mais delicados da gestão da ética é este. E isso internacionalmente. É uma zona cinzenta. Não é corrupção, mas é uma situação que, se não leva a um ato nocivo, induz o cidadão a duvidar das razões pelas quais uma autoridade toma uma decisão. Nesse caso do ministro Lupi, a comissão tenta evitar que isso aconteça, evitar a desconfiança do cidadão.

O sr. acha que o ministro interpretou mal a posição da comissão?

Por isso fizemos chegar a ele a totalidade do parecer. Tínhamos enviado a decisão, com uma fundamentação muito resumida, de modo que acho que ele não tinha o conhecimento.

Mas a comissão não pode puni-lo.

Não. A comissão pode advertir e sugerir ao presidente a demissão. Mas ela não tem caráter punitivo. Os ministros fazem uma adesão. Ninguém é obrigado a ser ministro.

O ministro tem contestado a competência legal da comissão? Esse argumento é válido?

Não, não é. Ele destruiria não só a Comissão de Ética da Presidência, mas todo o sistema de ética da administração pública federal, que foi criado muito para fazer valer um dos princípios da Constituição, no artigo 37. Para fazer valer a moralidade, criaram-se essas comissões. Nós não opinamos sobre a constitucionalidade ou legalidade de ele ocupar esses cargos, mas sim a conveniência ética. O cidadão pode se perguntar se ele tomou uma decisão porque é bom para o País ou porque é bom para o partido. Isso é que é o conflito de interesses.

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