Título: Banco Central, o amigo dos pobres
Autor: Barros, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

É impressionante a longevidade da crença que a inflação é boa. Deve o Brasil ser desenvolvimentista ou monetarista? A pergunta está errada. A pergunta certa é: deve a política ser inflacionista ou responsável?

Os inflacionistas gostam de chamar-se pomposamente de ¿desenvolvimentistas¿. Durante o inflacionismo a economia brasileira cresceu muito menos do que poderia. Pior, em 40 anos de inflacionismo maltratamos e empobrecemos os pobres.

Delfim Netto só teve o conforto do ¿milagre econômico¿ porque Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões controlaram a inflação a partir de 1964.

Na inflação o crescimento é pouco e a redistribuição, nenhuma. A inflação devora o salário dos pobres de uma maneira nem sempre lenta, mas, certamente, gradual e seguríssima.

As universidades estão cheias de inflacionistas, todos (mal) treinados para serem maus macroeconomistas e nada treinados para serem microeconomistas medíocres. Para eles, problemas econômicos se resolvem com subsídios, protecionismos, altos (e maus) gastos governamentais. Basta estudar o ¿modo de produção¿, que é tudo e, como tudo o que é tudo, não é nada.

A crença básica é de que ¿o Estado é bom¿. Parece que há um espírito santo que se incorpora nas autoridades fazendo com que elas deixem de ser humanas e se tornem benevolentes e brilhantes.

Quase todos fazem pomposas análises macro, mas não sabem como se comporta o dono da venda da esquina, nem como o criador de frangos faz com que eles cheguem à nossa mesa. Coroa tudo isso a crença de que a inflação traz desenvolvimento e bem-estar.

A maioria dirá que o inflacionismo (que eles chamam de desenvolvimentismo) é bom e criticarão o monetarismo e a globalização. Para eles, a rejeição de um, da outra ou dos dois pouco prejuízo trará. A perda para os pobres será muito grande, mas os pobres são apenas números.

O pior de tudo é que ensinam essas coisas aos universitários e ganham discípulos.

Eles não conseguem ver que os pobres estão melhorando mais de vida, não só, nem por causa, nem apesar das bolsas, mas porque a inflação está baixa e controlada.

A dívida externa governamental está zerada. As exportações crescem (a soja no mercado futuro daqui a um ano projeta um aumento de mais de 50%). O capital estrangeiro investe no Brasil. Produzem-se mais coisas, cada vez mais baratas. As pessoas têm mais empregos (formais e informais). Ganham mais, consomem mais e estão mais felizes. Mas eles não querem que as pessoas sejam felizes. Preferem que elas sejam ¿conscientes¿.

A Receita Federal comemora (?!) o aumento de arrecadação. Tudo acontece porque a inflação está baixa e controlada. Os juros são menores e mais previsíveis. Se ninguém fizer nenhuma bobagem, cairão mais ainda. Mas a tentação de fazer bobagem é enorme. Os inflacionistas estão-se posicionando para atacar.

Temos crédito de 60 e 72 meses, com juros mais baratos, e o financiamento imobiliário de 15, 20 e 30 anos reapareceu no Brasil, depois de décadas sumido.

Os inflacionistas dizem que as pessoas se estão endividando muito. Que ótimo! Significa que elas estão otimistas, comprando a prazo porque confiam que continuarão empregadas, ganhando igual ou mais, para poderem sustentar sua melhora. Os inflacionistas preferem mais pobres, consumindo menos.

Poucos sabem ou se lembram do que o Banco Central (BC) tem que ver com tudo isso. Ele é um desconhecido. Seu presidente pouco fala e pouco ri.

Durante o inflacionismo vivíamos de olho nos ministros da Fazenda. Sofríamos com sua instabilidade. Os ministros da Fazenda usavam e abusavam do direito de demitir presidentes do BC.

Quando Lula nomeou Henrique Meirelles para a presidência do BC e lhe deu autonomia, de fato, surpreendeu os brasileiros, assustou os petistas e salvou seu primeiro governo. E depois salvou o segundo.

Lula foi o simétrico matemático de Richard Nixon. Para reatar relações com a China, só um conservador incontestável. Até hoje se especula se Nixon sabia o que estava fazendo ao reatar relações com a China.

Para uma política austera, um esquerdista de quatro costados era essencial. Até hoje ainda se especula se Lula sabia o que estava fazendo quando apresentou ao Brasil e ao mundo o ¿companheiro¿ Henrique Meirelles, futuro presidente do BC. Só que deu certo.

Cinco anos depois, o dólar cai, a Bovespa sobe, muitos preços baixam, menos sobem, e sobem menos. Quase ninguém sabe muito bem como aconteceu.

Pouca gente presta atenção no ministro da Fazenda, menos ainda no BC, como se o crédito fácil e cada vez mais barato fosse um milagre.

Fazer inflação é rápido, fácil e inicialmente indolor. Desfazê-la é longo, difícil e doloroso.

Desde 2003 penamos para que a política do BC fizesse efeito, dando continuidade a políticas iniciadas por Fernando Henrique, ainda no governo Itamar Franco. Deu certo. Sem inflação podemos pensar a longo prazo, mas pouca gente percebe que a bonança, agora emergindo, começou em 1994.

A exuberância dos dois mandatos de Bill Clinton começou na década de 80. Reagan sofreu para provocar uma recessão nos EUA e jogar a taxa de juros, em dólar, para mais de 20% ao ano. O mundo inteiro sofreu. Esse sofrimento virou 25 milhões de empregos entre 1993 e 2000.

No Brasil estamos já na melhor parte do mesmo caminho. O crescimento do País em 2007 deverá ser de 5% ou mais. Se os inflacionistas continuarem sem poder sobre a política monetária, temos chances de que estas taxas se acelerem nos próximos anos.

Abandonar a política monetária responsável agora, deixando os inflacionistas assumirem, é o melhor caminho para maltratar os pobres, para valer.

Alexandre Barros, cientista político, é pró-reitor do Centro Universitário UniEuro (Brasília) E-mail: alex@eaw.com.br

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