Título: A crise dos manicômios judiciais
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2007, Notas e Informações, p. A3

Dois meses após terem determinado a suspensão do programa de desinternação progressiva para portadores de transtorno mental presos em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico por crimes de alto potencial ofensivo, como homicídio, os juízes das Varas de Execução Criminal de São Paulo voltaram atrás e concederam o benefício da saída provisória a 60 internos do Hospital 2 de Franco da Rocha, para que pudessem passar as festas de fim de ano com suas famílias.

Os especialistas há muito tempo consideram que o tratamento psiquiátrico em liberdade para portadores de doenças mentais acusados de crimes - inclusive homicídio - é mais eficaz do que a internação em manicômios judiciais. Quando têm o apoio da família e o acompanhamento de médicos, psicólogos e assistentes sociais, os pacientes tendem a não reincidir.

Pelo programa de desinternação progressiva, antes de poderem ser tratados em casa, os presos portadores de esquizofrenia e outros transtornos mentais passeiam em shoppings e vão ao cinema, devidamente acompanhados de estagiários. E, se eventualmente tiverem de voltar a ser internados, eles vão para hospitais psiquiátricos comuns.

O sucesso desse programa, no entanto, depende do fornecimento de recursos humanos e financeiros por parte dos governos estaduais, aos quais cabe a responsabilidade pela gestão do sistema prisional. O problema é que, como esse tipo de política não costuma render voto e a maioria das unidades da Federação enfrenta graves dificuldades orçamentárias, ele acaba sendo relegado para segundo plano. É o caso do Estado de São Paulo.

As saídas provisórias foram suspensas pelo juiz-corregedor do sistema prisional da capital no final de outubro, depois que um doente mental, ao receber esse benefício, assassinou dois meninos na Serra da Cantareira, na zona norte, e abusou sexualmente de outros 19 garotos. O caso teve enorme repercussão na imprensa e a decisão na época contou com amplo apoio popular. Contudo, como os manicômios judiciais estaduais continuam sem recursos humanos e financeiros suficientes, funcionando em condições precárias e desumanas, os juízes das Varas de Execuções Criminais voltaram a autorizar a desinternação progressiva. Mas, conscientes dos riscos dessa decisão para a segurança da população, eles deram ao Executivo o prazo de seis meses para sanar as irregularidades mais graves dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.

Só no Hospital 2 de Franco da Rocha os magistrados detectaram a necessidade de contratação de pelo menos oito médicos para atender o grande número de pacientes. Nessa unidade, além de não haver médicos trabalhando à noite, há apenas um psicólogo e uma enfermeira para cada 200 internos. ¿A falta de estrutura material e humana compromete a segurança da sociedade, dos próprios internos e a finalidade dos tratamentos¿, diz o juiz Luís Roberto Dias.

¿A liberação dos pacientes antes de um tratamento eficiente pode ser um perigo. Se um doente (solto) mata por falta de medicação ou atendimento, quem tem de ser preso? Para mim é o governo. Não se trata de defender a reclusão dos doentes. Queremos que o Estado tome providências imediatas¿, afirma o médico Paulo Sampaio, que há 22 anos implantou o programa de desinternação progressiva em São Paulo.

Para se ter idéia da gravidade do problema e das conseqüências que pode acarretar para a segurança da população, em julho último aguardavam vaga para tratamento psiquiátrico em hospitais de custódia 578 portadores de doenças mentais que cometeram crimes, segundo a Defensoria Pública de São Paulo.

São pessoas consideradas inimputáveis pela Justiça. No lugar da pena, eles recebem uma medida de segurança e devem ser encaminhados para tratamento. Desse total, 131 estavam presos ilegalmente em centros de detenção, presídios, cadeias e distritos.

Com a escalada da violência criminal, muitas iniciativas têm sido tomadas para ¿endurecer¿ o Código Penal. Muito pouco, porém, tem sido feito para ampliar e tornar eficazes as políticas de reeducação e ressocialização dos apenados e de tratamento de presos considerados inimputáveis.

Links Patrocinados