Título: 'Me pediram para voltar no ano que vem', diz paciente
Autor: Werneck, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2007, Nacional, p. A5

No Rio, HGB enfrenta superlotação na emergência; ministro da Saúde já chegou a anunciar seu fechamento

Na expectativa de conseguir marcar cirurgia na fístula arteriovenosa do braço direito, a faxineira Alice Silva de Abreu Maurício, de 47 anos, acordou às 4 horas de quinta-feira e pegou dois ônibus para chegar ao Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), zona norte do Rio. Nada feito. Com um calombo duro do tamanho de um sabonete no braço, ela afirma que sente muita dor, por causa de uma trombose e de um possível aneurisma. Segundo ela, o hospital pediu novos exames.

¿A doutora me explicou que isso pode causar hemorragia interna, mas que é difícil. Tem gente com situação mais grave. Me pediu para voltar no ano que vem¿, disse ela, que recebeu um rim novo há um ano e meio, após 12 anos de espera. A faxineira vive com R$ 350 por mês da aposentadoria por invalidez - aos 30 anos, sofreu derrame e ficou 5 meses em coma.

¿Só não quero é perder o meu rim, porque peguei pavor de máquina de hemodiálise. Já vi gente morrer. Estou por aqui de sofrer.¿ A fístula arteriovenosa (conexão artificial entre uma artéria e uma veia) é criada cirurgicamente para facilitar o acesso à corrente sanguínea.

Durante a entrevista, a reportagem foi abordada por uma assessora de imprensa do HGB. Ela afirmou que era proibido fotografar na parte interna da unidade e postou-se ao lado da paciente: ¿A senhora está fazendo uma reclamação, não é?¿ O repórter, então, perguntou se era proibido fazer reclamações. ¿É a norma da casa, os repórteres que cobrem a área da saúde aqui no Rio sabem muito bem como funciona¿, respondeu.

Ficou a impressão de que as coisas não funcionam bem. Até o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, reconheceu em maio que ¿a emergência do HGB não oferece condições seguras de atendimento¿ e anunciou a intenção de fechar definitivamente o setor. O hospital passaria, então, a dedicar-se só a casos de alta complexidade, como o de Alice.

O principal problema, segundo médicos consultados, é a superlotação provocada pelo excesso de pessoas com insuficiência renal crônica. Na manhã de quinta, por exemplo, dos 59 internados na emergência, 26 apresentavam o problema. A capacidade máxima são 35 pacientes, segundo o clínico Júlio Noronha, que chefiou o setor por 13 anos e hoje é diretor-jurídico do Sindicato dos Médicos. Para ele, o fim da CPMF vai agravar o caso.

No Hospital Municipal Salgado Filho, na zona norte, Antônio Carlos de Lima foi atendido à 1h57 de quarta-feira com fratura no calcanhar. Ao meio-dia, ele dormia na calçada - sete funcionários o trataram como morador de rua. Às 16 horas, uma coincidência: Anderson Santos da Silva, de 28 anos, chegava com a filha, gripada, quando viu o tio. Silva o levou para casa e telefonou para o primo. Alan, filho de Lima, chegou às 18 horas. Para piorar a situação, uma recepcionista disse a ele para pegar o pai em casa e trazer de volta, porque havia ¿prontuário aberto¿. Ele afirmou, porém, que iria para outro hospital. ¿A recepcionista vai levar uma chamada e quem sabe até uma suspensãozinha¿, disse um funcionário do setor administrativo, sem se identificar.

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