Título: A corrida presidencial nos Estados Unidos
Autor: Pery, William
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

Em termos de quem tanto o Partido Democrata como o Republicano vão indicar, e de como seus candidatos se sairão no confronto final, em novembro do próximo ano, a corrida presidencial de 2008 nos EUA é a mais imprevisível das últimas décadas - e por diversas razões óbvias. A opinião pública tem sido jogada de um lado para outro nos últimos anos por uma série de eventos dramáticos. Pela primeira vez desde 1952 um governo no exercício do mandato não tem um candidato óbvio. E o processo, sempre difícil de decifrar, pelo qual os indicados são escolhidos nos EUA tem sido notavelmente acelerado este ano - de modo que tanto os protagonistas como os estudiosos estão agora operando em terreno desconhecido.

Depois de meses de confrontos preliminares, debates públicos e especulação da imprensa, no entanto, estamos finalmente chegando à hora da definição real - ao menos no que diz respeito ao processo de indicação. Historicamente, as organizações partidárias estaduais escolhem delegados às suas respectivas convenções nacionais de indicação, numa seqüência calculada de reuniões de comitês políticos ou primárias altamente individualistas, Estado por Estado, num processo que vai do fim de fevereiro ao início de junho. Depois, são realizadas as convenções dos dois partidos, em julho ou agosto. A temporada oficial de campanha vai da primeira semana de setembro (quando os americanos voltam das férias de verão) ao dia da eleição, a ser realizada na primeira terça-feira de novembro.

Mas, este ano, uma disputa sem precedentes entre os Estados pelo privilégio de registrar suas preferências logo cedo levou a uma situação em que o primeiro evento eleitoral - um tipo estranho de reunião de líderes, em vez de uma eleição primária de verdade - terá lugar em 3 de janeiro, em Iowa. Segue-se uma rápida sucessão de primárias: em New Hampshire, dia 8; em Michigan, dia 15; em Nevada e na Carolina do Sul, dia 19; e na Flórida, dia 29. Depois, em 5 de fevereiro, a ¿Superterça-Feira¿, quando cerca de duas dúzias de Estados - incluindo muitos dos mais populosos, como Califórnia e Nova York - farão suas escolhas. Portanto, esse dia pode muito bem definir os indicados de um ou de ambos os partidos, num momento em que, no passado, a temporada de primárias mal estava começando.

Do lado democrata, Hillary Clinton há muito vem sendo a franca favorita. Mas o caminho que muitos imaginavam que seria uma coroação quase inconteste se foi tornando cada vez mais acidentado, e ela vem perdendo altitude nas pesquisas de opinião pública nos últimos meses. O carisma de seu marido provou não ser fácil de transferir. Além disso, Hillary - sempre associada à ala esquerda do Partido Democrata e aparentemente com a indicação garantida - assumiu uma postura muito mais centrista depois de eleita para o Senado, presumivelmente para melhorar suas chances na próxima eleição geral. Mas a Guerra do Iraque energizou os elementos mais ideológicos do partido - precisamente as pessoas com mais probabilidade de comparecerem às primárias - e, obviamente, eles não gostaram dessa mudança. E, finalmente, alternativas surpreendentemente atraentes surgiram para rivalizar com ela: um jovem e articulado (e negro) senador, Barak Obama, e o recém-populista candidato a vice-presidente na eleição de 2004, John Edwards. Assim, agora é possível supor que Hillary perca em Iowa - com conseqüências imprevisíveis para a potencialmente decisiva série de primárias que logo se seguirá.

Entre os republicanos, as perspectivas têm sido mais complexas e incertas desde o começo. Ao anunciar sua candidatura no início de 2007, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani ultrapassou seus rivais nas pesquisas de opinião - incluindo o senador John McCain, que foi a principal voz alternativa do partido ao presidente Bush desde que perdeu para ele a indicação em 2000. Mas a liderança de Giuliani nunca foi dominante e ele ficou vulnerável por problemas em sua vida pessoal e por suas posições diferentes das conservadoras ortodoxas sobre questões como aborto, controle de armas de fogo, imigração ilegal e direitos dos homossexuais. E, além de McCain, o número de candidatos potencialmente viáveis à indicação republicana continua a aumentar - incluindo o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney, o ex-senador pelo Tennessee Fred Thompson e, uma surpresa tardia, o ex-governador de Arkansas Mick Huckabee. Por fim, Giuliani sempre teve de encarar o fato de não ser tão popular nos Estados pequenos no início da seqüência de primárias - e, portanto, sua campanha terá de agüentar um mês de más notícias antes de chegar à Flórida e a outros Estados maiores onde ele tende a se sair melhor. Na verdade, sua dianteira nas pesquisas de âmbito nacional em grande parte se evaporou no decorrer do último mês - deixando a indicação republicana totalmente no ar.

Depois de oito anos de republicanos ocupando a Casa Branca e com os índices de aprovação do presidente Bush em maré baixa (embora tenha subido um pouco recentemente), a situação geral sempre favoreceu o indicado democrata em 2008. Mas, no final, qualquer corrida presidencial é entre dois indivíduos sob as circunstâncias que prevalecerem no período de setembro a novembro num ano de eleição. As atuais pesquisas de opinião mostram, pelo menos, que Giuliani e McCain são bastante competitivos em relação a Hillary Clinton. Mas também mostram Obama e até Edwards competitivos quando comparados com qualquer republicano. E, uma vez que não sabemos quem será o indicado em nenhum dos partidos, nem em que situação os EUA se encontrarão durante o período de setembro a novembro de 2008, é prematuro especular sobre o resultado final. Provavelmente - em especial por causa da grande mudança no tradicional calendário das primárias -, só poderemos saber mais do que no presente momento na primeira semana de fevereiro.

William Perry é diretor do Americas Liberty Forum e pesquisador sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS)

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