Título: Massacre nas estradas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2007, Notas e Informações, p. A3
Os números são, realmente, de estarrecer: no período de feriado natalino, compreendido entre sábado e quarta-feira, morreram 196 pessoas nos 61 mil quilômetros de rodovias federais do País, em 2.561 acidentes, que também deixaram 1.870 feridos. Isso representa um número de mortos 51% acima do registrado no ano passado e o maior em duas décadas - desde que se começou a fazer esse tipo de estatística. É natural que se busquem explicações para esse verdadeiro massacre - o qual não se pode atribuir, decerto, a uma única causa.
As autoridades da Polícia Rodoviária Federal atribuem, com razão, grande parte da responsabilidade por esse morticínio a uma perversa conjugação de imprudência, excesso de velocidade e bebida, não desprezando também o grande aumento da circulação de carros nas estradas, em razão da crise aérea e do aumento da frota - estimulado pelas facilidades de financiamento na compra de veículos novos - e até da melhoria do poder aquisitivo que levou maior número de pessoas a desfrutar o feriado em viagens. Há razões e comprovação objetiva, no entanto, de que o estado calamitoso em que se encontram as rodovias federais tem tido uma influência especial na produção dessa hecatombe.
Com efeito, mesmo que também tenha havido uma elevação do número de mortos nas rodovias estaduais paulistas, por exemplo - e nelas também se registrou expressivo aumento de tráfego -, nelas houve, proporcionalmente, menos acidentes, certamente por terem padrões de qualidade e conservação muito superiores aos das federais. A primeira página do Estado de ontem estampou uma impressionante cratera no asfalto da Rodovia Régis Bittencourt - o que não passou de uma pequena ilustração do trágico abandono em que se encontram as estradas federais, cuja utilização significa um real risco de vida. O desvio de um buraco pode causar uma colisão, um capotamento ou abalroamentos em série, que sempre provocam grandes estragos, especialmente quando envolvem caminhões e ônibus.
Pelas estatísticas, a maior parte dos acidentes ocorre nas retas das estradas, em que os veículos têm condições de desenvolver maiores velocidades. Pense-se, no entanto, no estado de ânimo dos que passam por torturantes engarrafamentos e chegam, enfim, a um trecho de asfalto sem buracos. Até se compreende que esse motorista ceda à tentação de ultrapassar os limites de velocidade e prudência. Sem dúvida aí estará reforçando a tese da imprudência e da alta velocidade. Bem é de ver, também, que a proibição - por legislação estadual, mas não por lei que se aplique às estradas federais - de venda de bebidas em locais junto às estradas deve contribuir para reduzir essa mortandade, visto ser sabido que quem bebe e dirige é candidato quase infalível ao desastre.
Não é de hoje, lamentavelmente, que o Brasil tem sido um dos grandes campeões mundiais em acidentes de trânsito. Durante um bom tempo as penalidades estabelecidas pelo Código de Transito conseguiram produzir alguns bons resultados no combate à irresponsabilidade no trânsito. Com o tempo, porém, o ânimo de cumprir a lei para evitar punições arrefeceu. Para combater a leniência, tramita no Congresso projeto de lei que considera homicídio doloso o acidente fatal provocado por motorista embriagado, drogado ou que participe de racha. Essa nova tipificação penal, que o Congresso deveria aprovar urgentemente, certamente desestimulará motoristas que hoje, irresponsavelmente, põem em risco a vida de terceiros.
¿O aumento do número de mortes é previsível, uma tragédia anunciada¿ - disse o consultor em engenharia de tráfego e transporte Horácio Augusto Figueiredo, aduzindo: ¿O brasileiro aceita as infrações de trânsito, acha normal ter mais carros e mais acidentes. É uma lógica suicida. É preciso mudar o quadro de fiscalização. A impunidade é total.¿ Não será excesso de pessimismo concordar com o consultor em seu trágico diagnóstico. Nesse, como em tantos outros campos, o fator impunidade, desgraçadamente, prepondera em nosso meio. Quanto às estradas federais, não há hipótese de esse calamitoso problema de infra-estrutura ser resolvido sem um criterioso processo de privatização. O governo federal sabe disso - resta agir.
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