Título: A 1ª mulher a governar uma nação islâmica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2007, Internacional, p. A10

Benazir chefiou 2 governos, mas caiu em meio a acusações de corrupção

Islamabad

O ataque que matou Benazir Bhutto pôs fim a uma vida épica, marcada pelo sangue e pela controvérsia. O pai de Benazir foi enforcado e um irmão, morto a tiros. Ela se tornou a primeira mulher a chefiar um governo no mundo muçulmano, mas perdeu o cargo e viveu no exílio durante quase uma década, acusada de corrupção.

No dia em que Benazir finalmente retornou ao país, em outubro, para unir a oposição ao presidente Pervez Musharraf, sua festa de boas-vindas em Karachi foi atacada por um terrorista suicida. Mais de 140 pessoas morreram, mas Benazir, de 54 anos, escapou ilesa e mergulhou na campanha eleitoral.

¿Precisaremos mudar alguns aspectos de nossa campanha por causa dos ataques a bomba suicidas. Continuaremos em contato com o público. Não seremos intimidados¿, disse ela na ocasião.

Seu pai era Zulfikar Ali Bhutto, herdeiro de uma rica família latifundiária do sul do país e fundador do populista Partido Popular do Paquistão. Zulfikar foi presidente e depois primeiro-ministro até ser derrubado num golpe militar em 1977; dois anos mais tarde, ele foi executado pelo governo do general Zia-ul Haq, que o condenou por orquestrar o assassinato de um oponente político.

Um ano depois, o irmão mais novo de Benazir, Shahnawaz, morreu em circunstâncias misteriosas na França; a família insistiu que ele foi envenenado, mas nenhuma acusação formal foi feita.

Com o apoio do pai, Benazir estudou política e governo em Harvard e depois em Oxford, onde foi eleita para chefiar a prestigiada sociedade de promoção de debates Oxford Union.

Benazir voltou ao Paquistão depois da morte do pai e jurou continuar seu trabalho. Foi presa várias vezes antes de exilar-se na Grã-Bretanha, em 1984. Dois anos depois, ela voltou novamente a seu país e liderou manifestações pedindo a restauração do governo civil.

Depois da morte de Zia, num misterioso acidente de avião em 1988, Benazir teve o primeiro de seus três filhos. Bela, carismática e articulada, ela levou seu partido a uma vitória eleitoral e se tornou, em dezembro de 1988, a primeira mulher a governar uma nação muçulmana moderna. Seu primeiro mandato foi ofuscado por acusações de corrupção e confrontos com o poderoso Exército paquistanês. Seu governo acabou caindo depois de 20 meses.

Benazir foi reeleita em 1993. Três anos depois, contudo, seu irmão Murtaza morreu num tiroteio com a polícia em Karachi; o marido de Benazir, Asif Ali Zardari, foi acusado pela morte. A acusação foi retirada mais tarde, mas Zardari passou oito anos na prisão por conta disso e de acusações de transações ilícitas supostamente envolvendo milhões de dólares.

Benazir acusou o então presidente Faruq Leghari de envolvimento na morte do irmão - e Leghari destituiu seu segundo governo em meio a novas acusações de irregularidades. Ela ainda tentou liderar um terceiro governo, mas perdeu para seu arqui-rival Nawaz Sharif em 1996.

A dirigente deixou o Paquistão em 1999, pouco antes de um tribunal condená-la por corrupção e bani-la da política.

O veredicto foi anulado mais tarde, mas Benazir continuou no exílio até que o atual presidente, Pervez Musharraf, assinasse uma anistia, derrubando todas as acusações de corrupção contra ela.

O retorno de Benazir ao Paquistão foi triunfal, mas marcado pelo perigo. Depois que saiu ilesa do atentado de outubro, a líder opositora chegou a ser posta em prisão domiciliar por alguns dias - após Musharraf, alvo de intensos protestos, ter decretado estado de emergência em novembro -, mas manteve até o fim a posição de desafio. ¿Bhutto está viva! Bhutto está viva! Bhutto está viva!¿, gritou Benazir num comício neste mês. ASSOCIATED PRESS

CRONOLOGIA

4/4/1979 O pai de Benazir, Zulfikar Ali Bhutto, é executado sob acusações de conspiração em assassinato de opositor político, dois anos depois de ser deposto como premiê

10/4/1986 Benazir volta do exílio em Londres para liderar o Partido Popular do Paquistão, fundado por seu pai

1/12/1988 Após vitória em eleições parlamentares, com 35 anos torna-se a primeira mulher a chefiar o governo de uma nação muçulmana

6/8/1990 Presidente Ghulam Ishaq Khan destitui Benazir, sob acusação de corrupção e fracasso em controlar a violência étnica do país

19/10/1993 Assume, pela segunda vez, cargo de primeira-ministra

5/11/1996 Presidente Farooq Leghari destitui segundo governo de Benazir em meio a acusações de nepotismo e debilitação do sistema judicial

14/4/1999 Julgada culpada de corrupção enquanto estava fora do país. Apesar de acusação ter sido retirada mais tarde, ela permanece no exílio

12/10/1999 Chefe das Forças Armadas,o general Pervez Musharraf depõe o premiê Nawaz Sharif e toma o poder

9/3/2007 Musharraf suspende o presidente da Suprema Corte, Iftikhar Chaudhry, sob alegação de abuso de poder. Advogados manifestam-se a favor de Chaudhry

10/7/2007 Musharraf ordena a invasão da Mesquita Vermelha, em Islamabad, onde radicais islâmicos estavam entrincheirados. Mais de cem pessoas são mortas

5/10/2007 Musharraf anistia Benazir, abrindo caminho para seu retorno do exílio e para possível acordo de coalizão de governo

19/10/2007 Benazir retorna ao país após oito anos de exílio. Sai ilesa de atentado que deixa 140 mortos em Karachi

3/11/2007 Musharraf impõe estado de emergência

9/11/2007 Por várias horas, Benazir fica em prisão domiciliar para impedir sua participação num protesto

25/11/2007 Ex-premiê Nawaz Sharif (à direita) retorna ao Paquistão, após sete anos de exílio

28/11/2007 Musharraf deixa chefia do Exército. No dia seguinte, assume como presidente civil segundo mandato no poder

1/12/2007 Bhutto lança campanha eleitoral para eleições de 8 de janeiro, pedindo resistência contra a insurgência islâmica

15/12/2007 Musharraf suspende estado de emergência e restaura Constituição

Ontem Benazir é assassinada após comício eleitoral em Rawalpindi

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