Título: Paquistão é vulnerável ao radicalismo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2007, Internacional, p. A11
Potência nuclear enfrenta constantes ataques de militantes e Exército sofre influência de grupos extremistas
Gilles Lapouge, PARIS
A morte estava à procura de Benazir havia um longo tempo. Dois meses atrás, Benazir tinha escapado de um atentado, logo após retornar do Paquistão com o consentimento do presidente Pervez Musharraf - que teve de aceitar, contra a vontade, organizar novas eleições. Benazir voltava ao país depois de oito anos no exílio. As ruas de Karachi estavam repletas.
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Seus partidários suplicaram para que ela usasse um helicóptero. Ela se recusou. E ordenou que fosse tirada do seu caminhão a blindagem de vidro. Ficou completamente a descoberto, diante da morte. Foi então que uma bomba explodiu. Centenas de pessoas morreram. Benazir saiu ilesa. Mas não hesitou: ¿Não tenho medo¿, disse.
Uma certeza: o Paquistão há anos é um dos pontos mais perigosos do mundo. E agora esse perigo se multiplica com o assassinato de ontem.
Outra certeza: o Paquistão, apesar de pobre, é um dos raros países a possuir oficialmente a bomba atômica - construída para enfrentar seu principal rival regional, a Índia, também potência atômica. Desde a criação dos dois Estados, em 1947, paquistaneses e indianos já se enfrentaram em três guerras.
As eleições parlamentares do dia 8 deveriam levar Benazir de volta ao poder - até agora exercido de forma férrea por Musharraf, que em 1999 derrubou num golpe o governo civil de Nawaz Sharif.
Musharraf tem sido alvo de numerosas tentativas de assassinato por ativistas islâmicos. Sua vida, como estava a de Benazir, segue no fio da navalha. Mas ele continua impassível. Decididamente, a coragem é a virtude mais compartilhada nesse grande país muçulmano.
O governo Musharraf se defrontou em 2001 com um desafio trágico. Em 11 de setembro, aviões são lançados contra as duas torres gêmeas de Nova York. O atentado foi perpetrado pela Al-Qaeda e os frenéticos islâmicos cujo quartel-general está entre os taleban, no Afeganistão, país vizinho. George Bush mobiliza o mundo livre, lança uma guerra contra o Afeganistão e esmaga o Taleban.
Musharraf teve de escolher seu lado: a solidariedade asiática e sua religião muçulmana levariam o líder a apoiar o Afeganistão ou a necessidade de sobrevivência o colocaria ao lado dos Estados Unidos na sua guerra contra os extremistas da Al-Qaeda. Musharraf escolhe a liberdade. A partir daí, o Paquistão parece um grande navio ¿desmantelado¿, lançado um pouco às cegas em ondas tempestuosas. O general precisa, sem descanso, afrontar duas facções igualmente violentas: de um lado a sociedade civil (juízes, partidos tradicionais, advogados, democratas, burguesia esclarecida), que não aceita o endurecimento do regime; de outro, os radicais islâmicos, que tomaram conta de parte do Exército, dos serviços de inteligência e das multidões exaltadas das grandes cidades, que se revoltam com o alinhamento aos EUA.
No exterior, Musharraf também está dividido entre duas influências poderosas: os EUA que o apóiam porque o Paquistão é um peão essencial na luta contra o terror e, se esse peão cair, a pregação da Jihad e seus assassinatos se espalhará por toda a Ásia Central. Bush insiste desesperadamente para que seu aliado Musharraf não provoque a sociedade civil com a sua propensão à arbitrariedade e adote ações mais firmes contra os islâmicos, tanto no Paquistão como na fronteira com o Afeganistão. A segunda influência é precisamente a dos grupos islâmicos, que não perdem a esperança de fazer o Paquistão cair no campo da Jihad.
Nos últimos meses o Paquistão vive drama atrás de drama. Musharraf afastou o presidente da Suprema Corte. Toda a magistratura e os advogados paquistaneses saíram às ruas. O sistema de governo ficou bloqueado. Musharraf decretou estado de emergência. A partir do exterior, duas altas figuras da política paquistanesa começaram a pressionar: Nawaz Sharif, que foi o primeiro ministro derrubado por Musharraf e que é um muçulmano não radical. A outra era precisamente Benazir Bhutto.
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