Título: 'Brasil agiu duríssimo na operação'
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2007, Nacional, p. A6

Jair Krischke: fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos

Nascido em Porto Alegre, mas cidadão do mundo, como gosta de se definir, Jair Krischke, de 69 anos, tem suas digitais impressas na decisão da Justiça italiana que determinou a prisão de 140 sul-americanos ligados às ditaduras militares da região, entre os quais 13 brasileiros. Fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Krischke, um gaúcho com forte sotaque da fronteira, investigou todos os casos de desaparecimento de brasileiros em países vizinhos e de uruguaios, argentinos e chilenos no Brasil e municiou com informações o promotor italiano Giancarlo Campaldo, que pediu à Justiça de seu país a prisão dos responsáveis pela repressão no continente e pelo assassinato de pessoas de ascendência italiana.

Qual o seu estado de espírito com os pedidos de prisão?

É de imensa satisfação por termos chegado aonde chegamos e de grande curiosidade: quero saber como a Justiça brasileira agirá para ver alguns destes 146 facínoras na prisão, pagando por seus crimes.

O senhor acredita na punição dos acusados, apesar dos problemas jurídicos que a questão tem suscitado, como, por exemplo, a impossibilidade constitucional de extradição de brasileiros?

No Brasil, até hoje não molestamos nem o cabo da guarda que agiu no período. Na Argentina e Uruguai, ao contrário, altas patentes das Forças Armadas e até presidentes e ministros estão presos. Eu também participei, como testemunha, em alguns desses processos. Estou muito curioso para ver como a Justiça vai se comportar nesse caso porque ela será provocada, já que a Justiça italiana avisou que enviará o pedido de extradição e, como se sabe, a Constituição brasileira proíbe a extradição de nacionais. Essa mesma Constituição, entretanto, diz que a tortura é um crime imprescritível. Em reforma constitucional, datada de 2004, já se decidiu que a Carta brasileira incorporará como emenda os tratados internacionais assinados pelo País. O Supremo Tribunal Federal (STF) terá de decidir.

Mas boa parte dos crimes não está prescrita?

Tem se falado em homicídio, que estaria prescrito, mas ninguém se refere a isso e sim à tortura, crime contra a humanidade, e ao desaparecimento de pessoas, um crime continuado que continua em vigência até que se encontre o corpo. Não se extradita ninguém, mas se julga no Brasil, que tem obrigação moral de fazê-lo. Como disse o presidente do Conselho Federal da OAB, César Britto, a nossa negligência com a história nos deixou na situação de não ter moral para reclamar da decisão da Justiça italiana.

Como foi a pesquisa dos casos e o posterior contato com o promotor Giancarlo Campaldo?

Começamos a pesquisa há mais de 20 anos, com uma história dos argentinos Mónica Binstock e Horacio Campiglia, desaparecidos no Aeroporto do Galeão, no Rio, que não teve repercussão, mas, em junho de 1980, quando o papa João Paulo II estava no Brasil e teria uma reunião com as Mães da Praça de Maio, dois montoneros (grupo de oposição à ditadura argentina) - Lorenzo Ismael Viñas, filho de italianos, e o padre Jorge Oscar Adur - desapareceram ao entrar em território nacional. Esse caso teve muito mais repercussão. Em dezembro de 1999, fui ouvido pelo promotor, que estava na Embaixada da Itália em Buenos Aires, e lhe relatei os casos. Depois, passei para ele uma lista das autoridades que atuaram no período, o que deu origem aos pedidos de prisão.

O governo brasileiro tem repetido que não participou da Operação Condor. O sr. confirma?

Não é verdade. Os militares brasileiros demonstraram muita habilidade em não deixar impressões digitais, mas o Brasil agiu duríssimo. A ditadura já praticava a Operação Condor antes que ela existisse de fato, a partir da reunião de 1975. Em 1976, no Chile, o embaixador brasileiro no país, Câmara Canto, era tido como o quinto homem da junta militar que derrubou Salvador Allende.

Quem é Jair Krischke

Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos Fundador do Centro Latinoamericano de Investigación, em Montevidéu Fundador do Movimento de Ex-presos e Desaparecidos Políticos do Rio Grande do Sul (Mepp)

REGISTROS: ¿Os militares brasileiros demonstraram muita habilidade em não deixar impressões digitais¿

EXPECTATIVA: ¿Quero saber como a Justiça agirá para ver alguns destes 146 facínoras na prisão¿

SEM PUNIÇÃO: ¿No Brasil, até hoje não molestamos nem o cabo da guarda que agiu no período¿

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