Título: Ações de terror enfraquecem Farc
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2007, Internacional, p. A12

Com apoio popular e legitimidade debilitados, as deserções cresceram 70% e os efetivos são cada vez menores

Nos últimos anos, o mais duro golpe contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não foi dado pelo governo do presidente Álvaro Uribe. Segundo analistas, ele foi obra do tempo e da história. ¿As Farc existem há mais de 40 anos e nunca mudaram seu objetivo primordial: tomar o poder pelas armas para implementar na Colômbia um Estado marxista¿, diz o cientista político Carlos Medina, da Universidade Nacional da Colômbia, que concluiu recentemente um estudo sobre o grupo. ¿Numa época em que os valores democráticos estão consolidados e as esquerdas ganham eleições em toda a América Latina, esse é um projeto ultrapassado, que prejudica a legitimidade e a aceitação da guerrilha.¿

De acordo com uma pesquisa do instituto Gallup, 93% dos colombianos têm hoje uma imagem desfavorável das Farc, enquanto apenas 1% apóia o grupo. A repercussão do caso de reféns políticos como a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, as denúncias de extorsões e as ligações com o narcotráfico também têm comprometido a imagem dos rebeldes fora da Colômbia.

¿As Farc perderam o controle da situação¿, diz Benjamin Herrera, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Javeriana. ¿Se não libertam Ingrid, as possibilidades de que ela morra em cativeiro aumentam - e o grupo será responsabilizado por isso. Se a soltam, o que a ex-candidata contar ao mundo pode ser devastador para a já reduzida credibilidade da guerrilha.¿

Até líderes políticos e grupos de esquerda que antes defendiam o grupo, hoje procuram se desvencilhar de seus métodos violentos. ¿Respeito Bogotá e outros governos, como os EUA, que qualificam esse grupo de terrorista, mas acredito que as Farc têm um projeto político¿, disse na semana passada o presidente venezuelano, Hugo Chávez, defendendo pela segunda vez que a guerrilha abandone as armas e dispute eleições.

A disposição das Farc em negociar um acordo humanitário e a decisão unilateral de liberar três reféns, explicam os analistas, é em parte resultado de todas essas pressões. Também não há como negar que desde que Uribe assumiu, em 2002, com a promessa de esmagar a guerrilha militarmente, as Farc sofreram derrotas importantes no campo de batalha. No final da década de 90, o grupo controlava 30% dos 1.071 municípios colombianos e quase um quarto da população do país. Hoje, está confinado às regiões próximas à fronteira e redutos isolados da selva colombiana.

A ofensiva militar que levou as Farc a tal recuo recebeu o nome de Plano Patriota. Ela incluiu investimentos em inteligência, reforços no treinamento dos soldados, a modernização do Exército e um aumento dos efetivos - tudo com o devido apoio dos EUA e dos mais de US$ 3 bilhões do Plano Colômbia. Como resultado, segundo as estatísticas oficiais, o número de guerrilheiros caiu de 17 mil para menos de 10 mil em cinco anos. Só em 2007, 1.700 rebeldes desertaram, 70% a mais que no ano passado. Comandantes de médio escalão, como Tomás Medina Caracas, o ¿Negro Acácio¿, responsável pelo negócio da droga na guerrilha, também foram mortos em operações militares.

As Farc negam que estejam debilitadas. Segundo seus líderes, a capacidade de recrutamento em rincões marginalizados do país compensaria as baixas. A verdade é que restam poucas dúvidas de que a guerrilha vive um dos piores momentos da sua história. Há pouco mais de cinco anos, as Farc tinham até uma espécie de território próprio - uma área desmilitarizada de 42 mil quilômetros quadrados, cedida pelo presidente Andrés Pastrana (1998-2002) numa tentativa de avançar no processo de paz.

Isso não quer dizer que a guerrilha esteja prestes a sofrer uma derrotada definitiva. Ao contrário. ¿O governo conseguiu fazer as Farc retrocederem para áreas isoladas do território e levou o Estado para lugares onde os rebeldes faziam a lei, mas não atingiu a cúpula do grupo¿, explica Pablo Casas, da Fundação Segurança e Democracia, em Bogotá.

Segundo o pesquisador, chegou-se a um ponto avançado na guerra contra as Farc, mas a partir dele não há como ir muito adiante. Ao menos não com uma estratégia puramente militar. Na selva, os guerrilheiros estão em casa. Já para os militares, o calor e os perigos da mata tornam qualquer ação mais prolongada um suplício. Além disso, ao mesmo tempo que o governo incrementou suas estratégias de combate, adquirindo helicópteros e aviões que garantem precisão nos bombardeios e o desembarque de tropas minutos depois de um ataque, a guerrilha adaptou-se para resistir ao novo inimigo. Hoje, os rebeldes se dispersam em grupos menores por regiões de acesso cada vez mais difícil e procuram infiltrar-se no Exército para antecipar as ofensivas.

¿Uma solução definitiva terá de passar por um amplo acordo de paz, indo muito mais além da simples troca humanitária de reféns por rebeldes presos - que é o que se está discutindo hoje¿, diz Fernando Patiño, presidente da Corporação Novo Arco Íris, que atua em defesa do fim dos conflitos no país. ¿O problema é que para se chegar a isso será preciso superar a desconfiança da guerrilha em relação ao governo, forjada nesses mais de 40 anos de conflitos¿.

HISTÓRIA DA GUERRILHA

O movimento que deu origem às Farc nasceu em 1964, quando o governo ordenou que o Exército desmantelasse um assentamento de camponeses e guerrilheiros na localidade de Marquetalia, no centro-oeste da Colômbia.

O assentamento havia sido organizado por grupos de esquerda remanescentes de um período turvo da história colombiana conhecido como ¿A Violência¿ (1946-1957), no qual combates entre liberais e conservadores deixaram mais de 200 mil mortos. Ele contava com 5 mil habitantes e uma administração própria liderada por Pedro Antonio Marín, conhecido como Manuel Marulanda ou Tirofijo (Tiro Certeiro). Hoje com 77 anos, Marulanda é o líder máximo das Farc.

No início, as Farc eram apenas uma guerrilha de esquerda, como tantas que surgiram na América Latina animadas pela experiência cubana. Aos poucos, porém, o grupo foi desenvolvendo ligações com o narcotráfico - primeiro cobrando um imposto dos barões da droga e, logo, dominando processos inteiros da cadeia de produção e comercialização de cocaína.

O seqüestro foi adotado como uma forma de financiamento em 1982. Segundo dados da Fundação País Livre, nos últimos 10 anos as Farc seqüestraram 6.123 pessoas na Colômbia, embora recentemente essa atividade tenha se reduzido. Em 2007, os seqüestros foram 84. Eram 1.016 em 1998.

A imensa desconfiança das Farc em relação ao governo e qualquer processo de paz tem raízes principalmente numa trégua acertada na década de 80 com o presidente Belisario Betancur (1982-1986). Pelo acordo, os rebeldes se comprometeram a interromper os seqüestros e em troca receberam o aval para estabelecer um movimento político.

O partido União Patriótica (UP) foi criado em 1985 por iniciativa de integrantes da guerrilha e chegou a disputar eleições regionais e legislativas. Nos três anos seguintes, porém, seus quadros foram dizimados, um a um, por grupos militares de ultradireita.

Segundo denúncias das Farc, no total mais de 3 mil ex-guerrilheiros foram mortos. ¿O governo precisará dar garantias para as Farc de que esse episódio não se repetirá para que os guerrilheiros aceitem voltar à mesa de negociações¿, diz Medina. ¿O fato de eles estarem acuados e preocupados em aumentar sua legitimidade como um interlocutor político dentro e fora da Colômbia pode fazer desta uma oportunidade para dar a largada neste processo.¿ COLABOROU RENATA MIRANDA.

DECADÊNCIA REBELDE

1% dos colombianos É a parcela da população que apóia a guerrilha, enquanto 93% a desaprova

10 mil guerrilheiros São os efetivos da guerrilha hoje.No final dos anos 90 eram 17 mil

84 seqüestros em 2007 O número de capturas também diminuiu. Em 1998 as Farc seqüestraram mais de mil pessoas

Links Patrocinados