Título: O MEC não pára de errar
Autor: Ghiraldelli Jr. , Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) não é propriamente um plano, é uma colcha de retalhos. E exagerado nas ambições. É um pulverizador de recursos e, ao mesmo tempo, seus objetivos são vagos e mal redigidos. Sua ¿pedagogia¿ é a proposta estranha, vinda do grupo do Todos pela Educação, que tem por base a idéia do ¿faça você mesmo¿. Tudo é jogado nas costas da tal de ¿comunidade¿. Ninguém mais poderia ir para o trabalho caso essa idéia vingasse, pois todos nós teríamos de ir para a escola para ajudá-la a funcionar. Essa ficção chamada ¿comunidade¿, e não mais o Estado, é vista como a real responsável pela educação pública.

É claro que há coisas boas no PDE. A intenção de articular as ações do governo federal com os municípios é interessante e correta. Todavia, do modo como isso vem sendo feito, há mais erros do que acertos até nas particularidades boas do plano.

Uma das partes que o PDE quer resolver, mas não conseguirá, é a da formação de professores do ensino básico (fundamental e médio). Temos carência de professores no Brasil. Ao mesmo tempo, os que estão nas salas de aula não estão conseguindo dar conta do recado, pois temos claro que nossos alunos são qualitativamente inferiores ao que poderíamos esperar de um aluno brasileiro.

Há erros básicos no plano quanto à formação de professores, e isto aparece no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e em outras ações governamentais. Vejamos.

O Reuni amplia vagas de licenciaturas nas universidades federais. Além disso, o problema relativo aos professores do ensino básico é equacionado por duas medidas: bolsas para professores universitários para colaborarem na melhoria da formação dos professores do ensino básico e treinamento e capacitação dos professores via Universidade Aberta do Brasil (UAB), que é um sistema de ensino a distância. Essas três medidas funcionarão? Ajudarão em algo? Não! Explico.

Essas medidas seriam interessantes para um país onde os problemas a respeito da formação dos professores fossem corriqueiros, defeitos de um sistema que, no todo, estaria funcionando. Não é o caso do Brasil. O que temos não está funcionando. Portanto, ampliá-lo é dinheiro jogado fora. Eis aqui (no espaço de que posso dispor) os pontos críticos:

A licenciatura no Brasil de hoje se resume ao sistema de grade curricular, que é o de ¿núcleo de conteúdo mais disciplinas pedagógicas¿. O estudante universitário faz disciplinas básicas e, depois, mais quatro ditas pedagógicas. Em geral, são as seguintes (os nomes podem variar um pouco): Prática de Ensino (estágio), Psicologia da Educação, Didática e Legislação. Estamos nisso há anos e todos os estudantes dizem que não funciona. Isso não forma o professor. Ampliar esse erro, que vem desde os tempos da reforma universitária da ditadura militar, é uma enorme bobagem.

O Ministério da Educação (MEC) diz que vai incentivar um programa de bolsas de pesquisa para alunos da universidade que fazem as licenciaturas - a reativação do Programa de Educação Tutorial (PET). Ora, todos sabemos que isso irá terminar como algo parecido com as cópias de ¿trabalhos de final de curso¿ (TGIs ou TCCs) que infestam a universidade brasileira estatal ou particular. A licenciatura no Brasil precisa ser inteiramente reformulada, do modo como está não proporciona bons frutos, e tudo o que se faz nela como adendo para melhorar é encaminhado de maneira tosca, pois a estrutura em que esses cursos andam é que está viciada e carcomida.

Colocar os professores universitários (como se eles fossem bem formados) para educar os professores do ensino básico é algo bem questionável. O estudante não se formou professor de modo satisfatório, e foi fruto de trabalho dos professores que estão na universidade. Agora, depois de formados, vão voltar a ter aulas com os mesmos que não os formaram bem? Ora, se os professores universitários, quando estavam com os alunos em sala e, então, ganharam seus salários para ensinar, não os ensinaram, qual a razão de acreditar que depois, com remuneração feita por bolsa, vão conseguir fazer o que não fizeram em condições normais? Não tem lógica.

Tentar tapar o sol com a peneira não funciona, mas é isso que a UAB faz. O professor do ensino básico que procura melhorar não pode fazer cursos trabalhando e sem apoio presencial. Acreditar que alguém que está no ensino básico, com os salários defasados como estão, vai melhorar sua capacidade intelectual e pedagógica pelo contato com um sistema virtual de ensino, que dificilmente pode chegar com eficácia aos lugares mais carentes, não é algo que se deva fazer.

Essas medidas todas não estão articuladas com um estudo da geografia do professorado brasileiro. Há cidades onde há muitos professores desempregados. Bons professores. Eles não voltam ao magistério por causa dos salários. Ou fazem do magistério um bico, exatamente porque gostam de lecionar, mas não podem viver disso integralmente. E há cidades onde realmente faltam professores. Sem uma política que leve em conta mecanismos de realocação de mão-de-obra para o ensino básico, qualquer outra medida se tornará inócua.

Por fim, a questão da Escola Normal de nível médio. O Brasil não pode ficar restrito aos cursos de Pedagogia para formar professores. Esses cursos proliferaram demais e são fracos - em todos os sentidos. Faz-se necessária a reconstrução do sistema da Escola Normal de nível médio, mas agora em articulação com o ensino superior, de modo a refazer (e ampliar) a experiência que tivemos em São Paulo com o programa dos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam) - e aí, sim, a política de bolsas, em que tanto o governo Lula insiste, funcionaria.

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo Site: www.ghiraldelli.pro.br

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