Título: Só um Paquistão democrático pode conter o terror
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2008, Internacional, p. A17

Francis Fukuyama*

Eu me senti profundamente entristecido com a notícia do assassinato, dia 27, de Benazir Bhutto. Encontrei-a pela primeira vez quando freqüentamos o mesmo curso de política do Oriente Médio em Harvard, quando ela ainda não era formada. Eu a vi duas vezes desde então, ambas em visitas a Délhi, em dezembro de 2003 e em março do ano passado.

O evento de março foi um encontro promovido pela revista India Today em que ela e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, foram os principais oradores. Ela fez um discurso veemente atacando a ditadura do general Pervez Musharraf por não reprimir a Al-Qaeda e o terrorismo, e insistindo em uma volta à democracia como o único modo de enfrentar o extremismo islâmico.

Falou sobre seu desejo de uma fronteira aberta ou ¿flexível¿ com a Índia e uma cooperação econômica mais ampla entre os dois países. Disse que estava profundamente incomodada pela maneira como seu país era associado ao terrorismo pelo restante do mundo. Declarou que gostaria que os EUA fossem consistentes em seu apoio à democracia e percebessem que seus interesses em segurança seriam mais bem atendidos por um governo democrático no Paquistão. Depois do jantar, ela me chamou para sua mesa, disse que havia lido meu último livro e observou que os neoconservadores queriam coisas boas, como democracia e direitos humanos, e era importante não desistir dessas metas.

Benazir era uma oradora poderosa e causava forte impressão no tratamento das questões. Durante o evento de 2003, o público indiano às vezes foi hostil e, em certo ponto, o ex-chefe do Estado-Maior do Exército indiano perguntou-lhe por que ela sempre havia apoiado o terrorismo na Caxemira quando era primeira-ministra. Ela jurou que não havia apoiado, uma afirmação que foi recebida com ceticismo por alguns indianos presentes. Mas possivelmente estava falando a verdade, já que como premiê nunca controlou totalmente o Exército ou o serviço de inteligência, que foram responsáveis por muitos ataques ali e no Afeganistão.

CORAGEM

Durante o evento de março, o público indiano foi completamente dominado por ela. Meu anfitrião notou a coragem que ela teve ao fazer aquele tipo de discurso em Délhi. Ela obviamente fez uma porção de inimigos em sua campanha para retornar ao Paquistão e agora pagou com a sua vida.

Houve um ceticismo justificável sobre se a volta de Benazir à vida política no Paquistão realmente significaria uma volta da democracia. Ela veio da mesma elite reduzida de onde saíram muitos políticos democráticos do Paquistão, uma elite cuja corrupção manchou a democracia e abriu o caminho para a tomada do poder por Musharraf.

Mas acho que ela estava certa em que tanto o Paquistão como a guerra ao terror seriam mais bem atendidos por um retorno à democracia. Musharraf foi o responsável por minar o já debilitado império da lei do Paquistão, por não conseguir controlar o serviço de inteligência e a Fronteira Noroeste e por desestabilizar o país em seu esforço para agarrar-se ao poder.

Mas o assassinato de Benazir e o modo como ela foi morta (num comício) agora lançam todo o processo político no caos. Certamente, haverá acusações de que Pervez Musharraf, se não foi um cúmplice na morte da ex-premiê, não fez o suficiente para protegê-la. Quem poderá surgir, a esta altura, como o líder legítimo do país é a pergunta que todos se fazem.

*Francis Fukuyama, autor do livro `O Fim da História e o Último Homem¿ (publicado no Brasil pela Rocco), escreveu este artigo para `Global Viewpoint¿

Links Patrocinados